segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A MÁQUINA DE GANHAR ELEIÇÕES NO IPU

Há quatro anos, quem imaginaria que “a máquina de ganhar eleições no Ipu”, construída pelo grupo dos cururus, sofreria algum dia uma derrota? A predominância era tanta que não passaria pela cabeça de ninguém que tal grupo sofreria uma tão fragorosa derrota em um tão curto espaço de tempo.
A partir de seu líder, o famigerado empresário do setor de transportes, montou-se uma estrutura de dominação clientelista no Ipu que lhes garantiu o controle da sociedade pôr praticamente doze longos anos. Da câmara de vereadores aos comerciantes do centro; dos líderes comunitários aos radialistas; dos feirantes aos moradores dos subúrbios; do judiciário aos criadores de gado; todas as classes sociais do Ipu ( dos mais ricos aos mais pobres ) recebiam favores ou mantinham laços de lealdade para com o grupo do empresário. Os mais pobres recebiam caridades esporádicas (telhas, tijolos, dentaduras, pequenas quantias em dinheiro, cimento, remédios, empregos medíocres, passagens, etc. ); a classe média ( tão parasitária quanto a classe baixa ) recebia nomeações na educação, na saúde e na administração; já a elite ( nascida historicamente nas próprias entranhas do clientelismo nordestino ), formada por proprietários de terras, grandes comerciantes, médicos, advogados, membros das famílias “tradicionais”, era cooptada através das nomeações para as secretarias de finanças, de obras, da saúde, da educação e etc. Controlando nossas elites e a classe média, tradicionalmente parasitárias do Estado, cooptando os pobres e os remediados, controlando as rádios da cidade, aliciando a lealdade e o silêncio da câmara de vereadores, pôde o grupo exercer predominância política no Ipu pôr muitos anos.
Mas o esquema de ganhar eleições através da promoção de favores e assistência construído pelo empresário carregava em si um defeito estrutural que o levaria à falência e ao esgotamento: ao abarcar tanta gente, fornecendo recursos obscuros para “pagar” pela lealdade de seus “clientes”, o esquema cresceu tanto que se tornou insustentável; ficou muito caro, tanto política quanto financeiramente, manter este “monstro assistencialista” em funcionamento; tal qual uma matilha de lobos selvagens revoltados com seu líder após uma cassada frustrada, nossa população já não era leal ao grupo; a lealdade se transformou em aversão, e depois em rejeição, e até mesmo em ódio. Durante o “linchamento moral” do prefeito Simão Martins, o empresário e seu grupo prometeram mundos e fundos à sociedade, e esta embarcou nas promessas casuísticas. Nesta ocasião, por puro capricho pessoal, o empresário manteve uma “prefeitura paralela” cujo único propósito era sabotar a gestão de seu antigo pupilo. Subornando a câmara de vereadores (as meretrizes de sempre, em sua maioria), foi possível sufocar a administração prefeitural, de modo a inviabilizar a gestão de seu opositor de modo doentio e irresponsável. O trabalho diário das rádios, como transmissões ao vivo, promoções de greves, protestos, denúncias etc., aliada a CPI do Fundef se encarregaram de demolir as bases de qualquer governabilidade. Estava montado o esquema: enquanto distribuía bonequinhos e bolinhas vestidos de Papai Noel nas periferias miseráveis do Cafute e das Pedrinhas, e seus asseclas promoviam a Copa Zezé e patrocinavam a invasão da prefeitura por garis e funcionários públicos com salários atrasados, podia o empresário galgar o estrelato: era então o “Grande Pai”! O “Grande provedor”!Aquele que se podia recorrer para arrumar empregos, promover carnavais, fazer ligadura de trompas, conquistar o perdão do IPTU, parar a conta de luz, emprestar carro para a “torcida” dos times da cidade etc. “O Homem é endinheirado, negrada, deixem comigo que eu resolvo!”, dizia o vereador mais articulado nestes “comércios de compra e venda de lealdade e promoção de torneios de futebol (Palácio, que fez sua carreira apenas manipulando o voto desta relé imunda, indolente e irresponsável que leva vida entre uma partida de futebol e um trago de cachaça). A “grana corria fácil”, fazendo a festa dos vereadores corruptos, dos delegados inoperantes, dos promotores inertes, dos juízes corruptos, e dos eleitores estúpidos.
Mas o esquema da “prefeitura paralela” só pôde se manter graças a uma infinidade de professas e assistencialismo barato cuja essência era consistia em inventar um Zezé fictício, um “paizão” construído de mentiras, de esmolas e promessas mirabolantes para “quando a gente assumir o poder, depois da queda do Traidor!” O empresário aparecia como “um santo homem”, “desapegado de sua fortuna pessoal”, “disposto a “torra-la” para “ajudar os pobres ipuenses vítimas do Traidor”: “-Quando a gente derrotar o Traidor, meu cumpade, vai ser um mundo de fartura e bonança no Ipu; não vai faltar emprego, caixão, dentadura, cimento, telha, passagem, remédio e carnaval; ninguém vai mais precisar pagar o IPTU, nem conta de luz e água, nem aluguel nos pontos do mercado, nem passagens nos ônibus das empresas do homi!” Está na cara que este esquema, que fora super-eficiente para destruir a gestão de Simão Martins e garantiu uma imagem “sacro-santa” ao grupo do empresário não poderia se sustentar minimamente.
Quando, há dois dias da eleição, a justiça cassou a candidatura do empresário por “desvio de dinheiro público” o seu encanto se quebrou: ele, que “não precisava de dinheiro da prefeitura”, que “não ligava pra isso, não”, que “queria administrar o Ipu sem pensar em si mesmo, só para ajudar os ipuenses” estava agora desmoralizado. Sua máscara começava a cair. Mas o torpor acarretado por anos de alienação era tão grande que a cassação do registro da candidatura de Zezé só fez ampliar o furor de nossa população entorpecida: “ Traidor inescrupuloso”, “Judas Escariotes”, “serpente traiçoeira”, Simão ao invés de arrepender-se de seu “crime” aprofundou com tal gesto a intensidade de sua “traição”! “-Negrada, o Traidor, como Silvério dos Reis, tramou contra o nosso patrão! Fela-da-puta covarde! Canalha maldito! Desgraçado! Infeliz! Eu te detesto, canalha!”. No processo que decidia o destino da cidade (seria o traidor candidato único? Perguntavam os mais afoitos) o judiciário encontrou uma brecha, e o empresário pôde colocar o seu filho Marcelo Carlos, o “bebêzão”, para ocupar o seu lugar no pleito. Aquela foi uma eleição que fedia a pólvora e a violência. Havia um cheiro de agressão no ar! “-Negrada, o traidor vai hoje pro fórum, vamos jogar ovo e bosta de cavalo na cara dele!” Corria nas ruas uma multidão alvoroçada, instigada pela batuta de um líder comunitário popular e populista patrocinado pelo empresário corruptor. Nas avenidas, nas ruas, nas praças, as pessoas, tangidas pelo som estridente dos alto-falantes, partiam em desalinho ao fórum do Ipu, “o lugar onde o traidor se refugiava para levar seu plano sórdido à frente”!
A agitação se deu desenfreada, os ódios estavam aforados. E o abandono da cidade se configurava com mais uma das Traições do “vendilhão Simão Martins”: com a condenação das contas do ano anterior, o municipio deixou de receber as verbas necessárias para o pagamento do salário dos seus funcionários, os hospitais pararam de atender pacientas, o lixo deixou de ser recolhido nas ruas, os ônibus que levavam os estudantes – para Sobral ou para os distritos – pararam de funcionar etc.; era o caos total. E para a população isso tinha apenas um culpado – Simão Martins – e um redentor – José Carlos. Enquanto isso, as rádios promoviam o linchamento moral do prefeito, e o ônibus do Bloco da Mala percorria as ruas da cidade cantando o refrão:“Arruma tua mala e dá o fora Jacaré!”, e a câmara cortava qualquer possibilidade de verba pública para a cidade. Como foi possível que o Ipu, na gesta ode Martins, tenha construído o hospital regional e a rodoviária, só Deus sabe!
Ao cortar o ônibus dos universitários, eu, que tinha boas relações com a facção dos Cururus (que ainda não tinham este nome), ao lado de Raimundo Diogo (que embora não sendo eleito, pôde assumir a cadeira de vereador, pois Palácio, o vereador “tapioca”, foi subornado com a secretaria de esportes, e o empresário cumpria a sua promessa frente ao seu melhor e mais eficiente cabo eleitoral), fomos todos inicialmente ao promotor, para ouvir o que ele teria a nos dizer, como nos defender (pois todos estavam na iminência de perder o ano letivo na universidade). Ao ouvir do Doutor “que não tinha nada a ser feito, pois não era obrigação do prefeito pagar transporte pra universitários”, eu quis interpelar dizendo “mas doutor, nós vamos perder o ano letivo, não tem nada que a justiça possa fazer?”; o promotor ergueu-se furioso de sua cadeira, veio prepotente em minha direção, e botando o dedo na minha cara, disse gritando “-Não tem obrigação! Eu é que sei! E quem manda aqui sou eu!” (até hoje não entendi o porquê de tamanha prepotência). O mais curioso foi o restante da fala da mesma autoridade: “-Por que é que vocês não vão procurar o empresário José Carlos, ele é dono de frota de ônibus, vai ter prazer em custear as viagens de vocês até que ele e seu filho assumam a prefeitura?”. O empresário pagou metade das despesas (a outra metade ficou por canta de cada estudante), e a novidade foi que conseguimos que mesmo os “adversários” entrassem no “esquema”, e estava montada a estrutura de saída do “traidor” e de retomada do “redentor” do Ipu. Esta pôrra ia dar merda. Zezé não era santo, e estava a anos-luz de ser o “bem feitor bem intencionado” que as rádios e os seus cabos eleitorais pintaram. O feitiço virar-se-ia contra o feiticeiro. Era só uma questão de tempo.
A tara do empresário era tamanha que ele não permitiu que seu próprio filho administrasse a cidade. Como um rinoceronte, metendo os pés pelas mãos, passou por cima de Marcelo, que fora obrigado a renunciar (nunca as instituições da cidade foram tão ofendidas: a câmara prostituída, o cargo de prefeito aviltado, o judiciário amesquinhado etc. De um lado havia a pressão da sociedade parasitária, querendo mais verbas, mais favores e mais benefícios estatais, de outro lado havia a pressão dos órgãos de fiscalização do Estado, a cortar verbas e a exigir lisura nos gastos públicos. Esmagada pôr dois focos de pressão, “a máquina de ganhar eleições” entrou em colapso, e um outro grupo, capitaneado pelo carisma pessoal da velha “raposa de Pires Ferreira” pôde aproveitar-se do desmoronamento do monstro anterior. Zezé não foi derrotado por Torrim; como uma imensa jaca madura, caiu sozinho de seu galho, graças aos desgastes gerados por seus vícios, a impossibilidade de manter a sua “máquina de ganhar eleições”, e a pressão do TCM, da CGU e de outros órgãos de fiscalização dos novos tempos.
(este artigo foi re-elaborado a partir de um originalmente publicado no finado site do Outra História)

R. Arcanjo. Intimidações para Arcanjoberne@bol.com.br

domingo, 7 de novembro de 2010

O QUE É A VERDADE

O que é a verdade? Seria a verdade, em sua totalidade, capiturável pela razão humana? Ou ela é uma construção histórica e cultural comprometida e presa a seu tempo e a seu lugar? Chegaremos um dia à “verdade plena” e “definitiva”? ou tal pretensão é um engano do pensamento humano?
Para a filosofia fenomenológica, o homem e o mundo são totalmente inseparáveis; daí o conceito de verdade não ser divorciado das impressões pessoais deste homem, preso a seu tempo; relativa, variável e plural, a verdade acaba por não aceitar mais a conclusão final e definitiva.
Já para os intelectuais da idade média, a verdade seria a manifestação da vontade de Deus manifesta nas ações dos eleitos (por Deus); e como tal, esta verdade não precisaria passar pelo crivo da razão. No mundo deísta, a verdade vem legitimar o poder e a dominação de grupos e instituições hegemônicas; Deus se fazia presente no mundo pela voz dos papas, bispos, santos, reis, nos livros sagrados, nos milagres, nas relíquias sacras, etc. O mundo real, que conhecemos, seria visitado constantemente por seres sobrenaturais, anjos almas penadas, etc. Mesmo a hierarquia social seria manifestação da vontade de “Deus”. A “verdade de Deus” seria revelada aos homens pelos indivíduos e instituições autorizados por “Deus” para tanto. O poder dos reis advinha não da vontade da maioria, como o quer o republicanismo moderno, mas da vontade de “Deus”; e como tal, tal poder não pode ser questionado, pois questionar tal poder seria o mesmo que questionar o próprio Deus; e questionar a Deus traria como conseqüência a danação eterna no inferno.
A “verdade” está com os eleitos por Deus, na bíblia sagrada etc; ela seria assim inescrutável ao pensamento e a razão. Com esta visão acerca da verdade, o pensamento medieval afastou do intelecto humano a capacidade de compreender e intervir no mundo a sua volta; para ele, o mundo seria a manifestação da vontade de Deus, manifesta através dos intelectuais da igreja Romana, dos homens santos e dos indivíduos detentores do saber.
Quando Nicolau Copérnico (1473-1543) propôs o heliocentrismo, questionando a suposta “verdade definitiva” (porque revelada por Deus), ele, com tal proposição veio a ameaçar toda a visão de mundo hegemônica do período. O geocentrismo, herdeiro da tradição filosófica platônica e ptolomaica, capturada pelos intelectuais da igreja católica (que tomara o lugar do império romano no mundo posterior ao colapso do mesmo) acabou por legitimar toda uma visão de mundo que ia desde a hierarquia social, passando pelo poder dos reis, duques e condes, indo até ao senso de propriedade e obediência. Se Deus, ao construir o universo, colocou a terra no centro e acima desta as esferas da lua, do sol, das estrelas moveis (Vênus, Marte, Saturno, etc.), das estrelas fixas e para além destas o próprio céu (como morada dos santos, das almas boas, do próprio Deus, anjos, etc.), podemos tirar daí uma compreensão hierárquica do universo e da própria sociedade. O homem achava-se preso a um mundo deísta que lhe comprimia entre o mundo celestial (morada de Deus, anjos, santos,etc) e o mundo infernal (morada do diabo,dos demônios e das almas decaídas). Pela compreensão deísta do mundo, no topo da hierarquia estaria Deus, depois, em ordem decrescente, os santos, os anjos, etc; e aqui na terra teríamos o papa (e todo o clero), abaixo deste os reis, abaixo dos reis os condes, duques, etc, e abaixo de tudo os camponeses;logo depois viria o mundo inferior, composto pelo diabo, por suas legiões e pelas almas condenadas ao inferno. Retirar a terra do centro do universo era negar a hierarquia celestial e mundana; era negar a infalibilidade do papa e das escrituras sagrada. Veja o tamanho da ousadia de Copérnico! O que seria do mundo sem o “porto seguro da verdade”?
Se a verdade não é revelada, poderíamos atingi-la pela razão? É o que pretenderam os pensadores iluministas; para os mesmos a razão poderá conduzir o homem rumo ao conhecimento definitivo e verdadeiro; no iluminismo e na modernidade, a crença na infalibilidade da fé, próprio do mundo medieval.
Mas as certezas iluministas não sobreviveram ao advento do pensamento contemporâneo. A realidade, em sua totalidade, é capturável pelo pensamento? Onde estaria oculta a verdade, dentro da dinâmica da realidade? “A respeito da verdade, contentarmo-nos em concluir que todas as nossas verdades são parciais, históricas, limitadas, nunca esgotam a realidade vista”; assim sendo, podemos entender que a verdade, ao menos em partes, pode ser capturada pela investigação humana. Haveria “verdades parciais.Mas essa concepção acaba por nos reafirmar a crença e a busca de “verdades”, sejam elas parciais, individuais, gerais, etc.
Se a verdade é uma construção histórica, ela, a dita verdade definitiva, acaba por se revelar uma construção, e como construção há nela uma boa dose de artificialismo e de abstração ficcional; Ou dito de forma mais clara, de a verdade é uma construção do espírito humano frente a seu espaço, a seu tempo, a sua cultura, a sua religião, a sua classe,etc, a verdade em realidade não existe. Mas se a verdade não existe, ao mesmo tempo, faz-se necessário colocarmos alguma coisa em seu lugar. Adotemos, pois, por convenção lingüística o termo “verdade” como sendo o norte que os indivíduos, instituições, estados, etc, buscam no esforço de construção de suas identidades. Neste ponto, a verdade embora ficção, revela-se necessária na construção das identidades de grupos e instituições, assim como sendo o cimento que une o homem a seu passado, a seu presente e a seu futuro.
Mas, se admitirmos que a “verdade” é produto de uma época de um grupo dominante e de um lugar específico, dizemos também que a verdade é uma ficção; e como ficção, ela não existiria. A verdade seria, assim, uma utopia a ser buscada pelos indivíduos, mas como utopia, está fadada a nunca ser atingida.
Onde está a verdade? O que é a verdade? Para respondermos isto, temos que buscar uma compreensão total da realidade. Tal pretensão é utópica. Seria a mente humana capaz de capturar a realidade em sua totalidade? A realidade seria composta por toda a carga de informações e sensações que o mundo através dos sentidos, joga em nós? Se a isto dermos o nome de realidade, cada ser humano captura a sua realidade específica e individual; ao final, a realidade geral seria a soma de todas as realidades individuais? Se for assim, podemos supor que cada ser humano que existiu no passado e que existe no presente compõem com suas realidades individuais, o corpo de uma realidade genérica? No fundo, rendendo-se às evidencias, a realidade é tão inexorável e inesgotável que a razão captura apenas interpretações parciais da totalidade.
Refaço a mesma pergunta inconclusa: O que é a verdade? Ostentada por padres, cientistas, instituições e países, a dita verdade vulgar é mero senso comum. Já a verdade filosófica aqui refletida é uma construção dos homens, e como tal é relativa e está presa a seu tempo e lugar. Por mais que busquemos jamais chegaremos a “verdade definitiva”. Nos resta como consolo a certeza de que, como criaturas limitadas, somos incapazes de capturarmos em nossas mentes a verdade do mundo; não nos resta alternativa se não, como seres pensantes diante da torrente das sensações que nos passa pela mente, entreter nossos dias na busca não da verdade, mas do verossímil. A história (seja a ciência ou a memória) cumpre o papel de preservar para o presente e para o futuro as experiências e vivencias humanas ao longo de nossa passagem aqui pela vida, dando um sentido ao caos de uma realidade irracional e inescrutável.

Crônica para a velha Ipu já morta

CRÔNICA PARA A VELHA IPU JÁ MORTA







A opulência que nossa cidade veio a experimentar nas quatro primeiras décadas do último século ainda se evidencia na imponência da nossa Igreja Matriz, na elegância dos poucos prédios históricos que ainda não foram demolidos, como a Pharmácia Iracema e a antiga farmácia do Sr. Chagas Paz. Os prédios, assim como os homens, têm alma e memória; se nos detivermos diante dos casarões de Oswaldo Araújo, do “Solar dos Soares”, dos velhos casarões abandonados de ontem e de hoje, e daqueles pertencentes a famílias tradicionais, ou mesmo na nossa magistral e abandonada estação ferroviária, podemos mesmo jurar que eles lamentam; como que a pedir “pelo amor de Deus” que nós, os ipuenses de hoje, não os deixem perecer para sempre no abismo sem fundo do esquecimento eterno. Ali, outrora, residiram “gigantes”, tais a magnificência da arquitetura, a imponência das sacadas, o gigantismo das portas, a elevação singular dos tetos. Das suas paredes, parece que podemos mesmo ouvir as vozes de seus antigos moradores, a bradar para seus criados, num calor de um dia qualquer de um fim de tarde perdido para todo o sempre no abismo sem fundo do tempo. Na argamassa que une os tijolos, feitos com barro cru, podemos notar as marcas dos dedos de seus construtores, antigos serviçais a depender da benevolência e da boa vontade de seus patrões. Ao adentrar a residência, velhas fotografias de senhores sisudos nos observam com olhos vivos e enigmáticos, como velhos fantasmas de homens mortos e esquecidos há séculos e séculos. Seus olhos estão vivos a nos desafiar de dentro da noite dos tempos. As almas dos homens e mulheres que outrora ali viveram ainda se fazem presentes em suas casas, como que a nos vigiar os passos, de forma surreal e fantasmagórica, censurando-nos pela visita sem pedir licença; eles jamais deixaram suas residências, seus pertences e seus entes queridos; nós, as pessoas de hoje, é que somos intrusos ali, estranhos a violar a intimidade daqueles recintos sagrados. Ali, sempre se escuta, a meia-noite, barulhos estranhos de redes rangendo sozinhas, de panelas e pratos num tilintar de alvoroço, de passos apressados nos corredores, de carícias e afagos trocados entre assombrações e almas penadas de antigos amantes já mortos, nas alcovas escuras a pagarem seus pecados com a penitencia de assombrarem para sempre as pessoas vivas. Um outro dia, quando a gata de um vizinho entro no cio, muitos juraram, a meia-noite, terem ouvido um choro espectral de alma penada, de Cão do Inferno, de anjo sem luz, de encruzilhada assombrada. Poucos são os que têm coragem de encarar aqueles olhos - vivos e ao mesmo tempo mortos – da fotografia centenária, e ali pernoitarem sem temerem os tormentos daquela visão. Velhos avós há muito tempo atrás enterrados se erguem vigilantes à noite em seus casarões centenários, num sussurro enlouquecedor, de sepulturas seculares sendo abertas, para reclamar uma existência e uma recordação por nós mesmos há muito tempo negligenciadas.
Em seus casarões em ruínas, em seus prédios históricos abandonados, em suas ruas antigas e esquecidas, a velha Ipu chora um choro surdo e mudo das cidades mortas, como um cemitério de vivos; quando um uivo de um cão louco faz lembrar as almas penadas que ali residem; num choro fantasmagórico que, sufocado pelo barulho ensurdecedor dos automóveis e motocicletas que correm obstinadamente pelas ruas de hoje, silenciando mesmo o choro dos homens e mulheres que viveram por aquelas ruas, que amaram por aquelas alcovas, que construíram aquelas casas, que sentaram naquelas praças; e que continuam eternamente a sentar e a andar e a amar pela velha cidade morta e sepultada debaixo da cidade viva, pulsante e barulhenta. A cidade velha, quase que caída para todo o sempre em um esquecimento tão profundo que, para o futuro, ela nunca existiu, deixa mesmo correr um rio de pranto que à noite assombra os namorados, os noctívagos, os ladrões e os vagabundos, como um gemido de uma alma penada e um vento frio que vem do cemitério da cidade e que faz gelar o sangue dos mais valentes e supersticiosos. Esta é a pior das mortes; a morte total e definitiva; uma morte completa e irreversível; a morte de todos os nossos avós; e dos avós de nossos avós. Todos de uma só vez vêm juntos gritar a meia-noite, em pânico aos ouvidos insensíveis dos homens e mulheres vivos, como uma legião de anjos e de demônios na eterna agonia da batalha travada entre os santos e os diabos pelas almas dos vivos e dos mortos. Mas as pessoas de hoje não ouvem, não sentem; não falam; como se estes é que jazessem inertes e sem vida.
(reelaborado)

Raimundo Arcanjo.

Resumo de "O clã de Santa Quitéria".

O CLÃ DE SANTA QUITÉRIA

MACÊDO, Nertan. O clã de Santa Quitéria. Rio de Janeiro: Editora Renes, 1967. (Deixei o computador fazer a correção gramatical da época da publicação).

Segundo o autor, do português João Pinto de Mesquita, unindo-se a indivíduos das Vilas de Sobral, Santa Quitéria e Granja etc. descendem as famílias Pompeu, Paula Pessoa, Catunda e mesmo Acioly (por adesão matrimonial).

O SARGENTO-MOR PINTO DE MESQUITA


A família Pinto de Mesquita fugiu à regra, na sociedade cearense, da tradição predatória e decadente, anunciada por João Brígido, para quem aos pais ricos sucedem sempre filhos nobres – e a estes, netos empobrecidos pela irresponsabilidade e incapacidade na gestão da riqueza acumulada. P. 17

Também foram os Pinto de Mesquita, ao longo da história da formação da sociedade pastoril cearense, uma outra exceção: o clã, numeroso, rico e fidalgo, não produziu, como seria de esperar, cangaceiros e valentões, vingadores do rifre e do punhal, a talar os sertões que habitavam com os seus cavalos relinchantes e bárbaros, afeito à fumaça dos combates e tropelias selvagens. P. 17.

Ao contrario dos Montes e Feitosas, dos Melos e dos Mourões, cujas prosápias de nobreza são duvidosas e obscuras, os Pinto de Mesquita eram de fato “homens bons” no exato conceito e quem a sociedade reinol e colonial traduzia essa expressão.

●Os “homens bons”:

Os “homens bons”, acrescenta Oliveira Viana, constituíam uma elite reduzidíssima, “uma minoria insignificante em face da massa numerosa de nossa população”: ... “tinham os seus nomes inscritos nos “Livros da Nobreza”, existentes nas Câmaras. Em conseqüência disso, só eles podiam ser eleitores. [...]. 18.

Sua presença na vila era obrigada, apenas, pelas solenidades do culto religioso ou pelas atividades da vereança, a coisa pública, “uma dignidade, um munis, uma honraria”, lembra o autor de “Instituições Políticas Brasileiras”. 18.

Os desses “homens bons” foi o patriarca dos Pinto de Mesquita, o Sargento-Mor João Pinto de Mesquita, varão sisudo, de sangue velho e limpo, que há mias de duzentos anos ostentava nos campos de Santa Quitéria os seus vastos e opulentos criatórios, além dessa prosápia de tradições milenárias (sic), oriundas da sua nobreza peninsular, bem própria da sua raça monarquista, feudal e católica. 19.

Chegou João Pinto de Mesquita ao Brasil em companhia de um irmão, Manoel Santiago Pinto, indo residir nas terras que adquirira por sesmaria no rio Jacurutu, situando a sua primeira fazenda de gados no curso médio desse rio, no local hoje denominado Jacurutu-Velho, não muito distante da povoação do Riacho dos Guimarães, que era, então, ao tempo, o único núcleo populoso de pequena importância e comércio na região. 21.

●Casamento de colono branco com mulher índia:

Esse irmão do Sargento-Mor, Manoel Santiago Pinto, foi, por sua vez, residir na Vila Viçosa Real da América, atual cidade de Viçosa do Ceará.
Naquela vila, casou Manoel com Dona Luiza Pereira de Santiago, de origem tabajara. Possuía muitas propriedades na serra da Ibiapaba e no sertão do Acaraú. [...] . p. 22

●Curiosidade: ia-se buscar parceiro matrimonial por paragens muito distantes:

Pouco tempo depois, em 1726, casou-se com Dona Tereza Rodrigues de Oliveira, filha do Capitão Luiz de Oliveira Magalhães, natural de Sergipe d’El Rei, e de Dona Isabel Rodrigues Magalhães, natural do Rio Grande do Norte e irmã do do Capitão-Mor Antonio Rodrigues Magalhães, dono de muitas fazendas de criação, entre as quais a Fazenda Caiçara, hoje cidade de Sobral, de cujas terras, por escritura pública, de 10 de dezembro de 1756, fez doação de duzentas braças para a constituição do patrimônio de Nossa Senhora da Conceição, e sob a invocação desta santa se erigiu a igreja que é hoje a Catedral do Bispado de Sobral. P. 22.

Nesse ano, João Pinto de Mesquita casa, na velha povoação do Riacho dos Guimarães, hoje cidade de Groairas.

Em 19 de setembro de 1733, o Capitão-Mor da Capitania do Ceará, Leonel de Abreu e Lima, concedia a João Pinto de Mesquita a data de sesmaria de “uma sorte de terras de três léguas, no riacho Maritipoã (hoje Sussuanha), sobre a serra da Ibiapaba”, mas antes já ele obtivera datas de sesmarias em quase todas as terras marginais ao rio Jacurutu, que tem um curso de 90 quilômetros, além de muitas outras adquiridas por compra nos rios Groairas e Jaibara. 23.

●Principais famílias colonizadoras da região norte do Ceará:

Daí a rapidez com que eles logo se entrelaçaram com outras famílias, no seio das quais imprimiram a sua marca racial, na formação de ramos unilaterais, nascidos de casamentos de seus descendentes com pessoas de outras linhagens e de outro sangue.
Os Magalhães, os Tôrres, os Vasconcelos, os Cavalcanti de Albuquerque, os Alves da Fonseca, os Paula Pessoa, os Sabóia, os Gomes parente, os Barbosa Cordeiro, os Frota, os Acioly, os Bezerra de Menezes, os Viriato de Medeiros, os Arruda, os Jucá, os Sanford, os Brito, os Castro, os Lessa, os Pires Ferreira, os Alves Pequeno, os Linhares, os Figueiredo, os Miranda, os Holanda, os Farias, os Pinhos, os Bessa, os Lopes Freire, os Martins, os Pontes, os Fontenele, os Memórias, os Araújo, os Andrade – todas essas famílias, originárias umas de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, outras da Paraíba e do Piauí, aliando-se, pelo casamento, às matrizes raciais da casa senhorial do português João Pinto de Mesquita, concorreram para ampliar a fronte da sua árvore genealógica.
Mas o velho sobrenome – Pinto de Mesquita – não desapareceu, não se diluiu neste profundo cruzamento com outras casas e linhagens. Ainda hoje ele perdura e se repete no prolongamento de uma parentela imensa que cobre grandes áreas dos municípios cearenses de Santa Quitéria, Sobral, Acaraú, Reriutaba, Uruburetama e outros. [...] . 24.


●Eleições para Juiz ordinário da ribeira do Acaraú:

Rico de terras e rebanhos, João Pinto de Mesquita desfrutaria também do que vinha por acréscimo aos chamados “homens bons” do tempo: [...] os cargos públicos.
Em eleições procedidas no Senado da Câmara da antiga Vila da Fortaleza, foi eleito, sucessivamente, nos anos de 1748, 1752, 1760 e 1764, para o cargo de Juiz Ordinário da ribeira do Acaraú. [...] [e] por Carta Patente, de 2 de outubro de 1755, dom José I, Rei de Portugal, o confirmou no posto de Sargento-Mor de Cavalaria do Regimento de Acaraú. 24.

O Sargento-Mor exerceu, também, as funções de membro e presidente do Senado da Câmara da antiga Vila Distinta e Real de Sobral e de Juiz-Presidente da Irmandade do Santíssimo Sacramento da mesma.
Morrerá, assim, detentor de tanto poder e honrarias, ele que já era senhor de muitos chãos, de muitos escravos, de uma legião de vaqueiros, crias e mucamas. 25.


●Inventario: o valor de um escravo em 1782:


[E na fazenda Jacurutu Velha] ... faleceu o Sargento-Mor, com oitenta aos de idade, no dia 23 de março de 1782, viúvo de Dona Tereza Rodrigues de oliveira [...].
Foram ambos sepultados na capela do Riacho dos Guimarães.
No inventário de João Pinto de Mesquita, [...] [feito em Sobral] além da prataria, moveis e imóveis, foram arrolados: 782 vacas parideiras, avaliadas todas pela quantia de 857$280; 120 novilhas, por 120$000; 100 garrotas, 620$000; 300 bezerras, por 300$000; 50 bois de açougue, por 100$000; 180 novilhas, por 190$000; 152 garrotes, por 40$000; 152 bezerros, por 29$000; 40 éguas, por 800$00; 20 poldras, por 32$000; 25 poldrinhas, por 25$000; 50 cavalos, por 250$000; 10 poldros, por 300$00019poldinhos, por 25$000; 12 burros, por 600$000; 2 cavalos de sela, por 140$000 – num total de 2.012 animais, entre, entre bovinos e cavalares.
Foram igualmente arrolados 28 escravos, avaliados num total de 1.960$000.
Era grande a fortuna do Sargento-Mor João pinto de Mesquita, um dos “homens bons” da época do povoamento. 25.

OBS: Daí montamos esta tabela:

Valor deduzido de um escravo no ano de 1782
28 escravos: ....................................1.960$000 Um escravo: ........................................70$000
50 cavalos: .........................................250$000 Um cavalo: ............................................5$000
Ou seja, um escravo valia o equivalente a 14 cavalos!



A PROLE DO SARGENTO-MOR

Em riqueza e fama cresciam os filhos [...] [do] patriarca do Acaracu.
Antonio Pinto de Mesquita, ainda a exemplo do pai, exercia os postos de Capitão das ordenanças e depois os de Capitão-Mor e presidente do Senado da Câmara da antiga Vila Distinta e Real de Sobral e nesta morreu, no dia 4 de março de 1807, com idade de setenta e um anos. P. 26-27.

Vicente Alves da Fonseca (genro de Antonio Pinto de Mesquita), [...] foi, como o sogro, fazendeiro rico e por demais influente nas ribeiras do acaraú, social e politicamente. [e uma filha de Vicente casa-se com Francisco de Paula Pessoa, de Granja].


●Francisco de Paula Pessoa, o senador dos bois:


De Vicente e [sua esposa] Antonia nasceu também uma única filha, Francisca Maria Carolina, em Santa Quitéria, a 15 de março de 1807, que se casou com Francisco de Paula pessoa, natural de Granja, filho do português Capitão-Mor Tomaz Antônio pessoa de Andrade e de Dona Francisca de Brito Pessoa, nascida na mesma Granja. 27.


Esse Francisco [...] Terminaria Senador do império e mais conhecido por Senador Paula. 27.

Possuía tanto gado que os Conservadores, seus adversários na política, chamavam-no de o “senador dos bois”.

Ninguém o excedeu, naqueles tempos, em poder e riqueza na região, onde ocupou os postos de maior relevo da governança local: Sargento-Mor das Ordenanças, Capitão0Mor, presidente do Senado da Câmara, Coronel-Chefe da legião, Coronel-comandante Superior da Guarda Nacional, Deputado Provincial e Vice-Presidente da província.
Por Carta Imperial de [...] 1848, foi nomeado Senador do Império [...] p. 27-28.


OBS: Era longa a circulação por parceiros; Granja, Sobral, Santa Quitéria, Crateús, Pernambuco etc.!


OBS: Vejamos o que os Anais da Biblioteca Nacional trazem sobre este cara:



Caro Amº e Comp(e) [...]

[...] limitarei-me a [narrar] hum acontecimento em Sobral, que tras todo o cunho de ser Paula Pessoa connivente nelle. Naquella Vª prendeu-se hum valentão, de quem dois sequases de dº Paulo se temião, e estando sentenciado a dois meses de prisão tramarão huma silada pª se descartarem delle: mandarão-no seduzir pª fugir, e lhe indicarão o beco, por onde deveria correr. Chegada a occasião [...] quando entrou no beco, foi-se encontrando com os dois sequases do Paulo hum com huma granadeira, que lhe foi arrumando com o coice della nas cruzes, que o fes beijar o chão, e o outro com huma espada, [...] [que] foi-lhe atirando hum golpe ao pescoço, o desgraçado metteu o braço adiante, e viu saltar-lhe a mão pela munheca; foi gritando, [que] o não matassem, que estava preso; as pessoas [...] o forão acompanhando na sua suplica, mas o desumano foi-lhe correndo duas estocadas, que o deixou por morto, e como de facto poucos dias depois morreu dellas.



Amigo e correligionário do Padre José Martiniano de Alencar, presidente da província, [...].28.

Morto Alencar, Francisco, juntamente com seu primo afim, o Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil, tomariam a direção-geral do Partido Liberal do Ceará. 28.

Faleceu o Senador Paula a 16 de julho de 1879, em Sobral [...].

O Senador Paula pessoa teve um filho natural, o Desembargador Leocádio de Andrade Pessoa, que legitimou e de cuja educação cuidou. 29; este sujeito aparece como juiz municipal do Ipu em pesquisa de Oswaldo Araújo (O Povo, 04 de setembro de 1970. p. 9).


...Cruzaram, ainda, os filhos do Capitão Pinto de Mesquita com os Veras, de Crateús, com os Pires Ferreira, do Piauí, com os Andrades, de onde vem o Coronel José Júlio de Andrade, capitalista, dono de imensos seringais na Amazônia e Senador pelo Estado do Pará [...]. Isabel Pinto de Mesquita casou-se, em 1772, com o Capitão José Pestana de Vasconcelos, que foi juiz Ordinário e Presidente do Senado da Câmara de Sobral, natural de Pernambuco e filho do Tenente-Coronel Carlos Manuel César de Ataíde e Dona Luiza Francisca Rosa de Castro, naturais do Minho (Portugal). P. 29-30.


●União de Acioly, Pompeu, Catunda e Souza.


Do seu primeiro matrimonio, teve Dona Isabel [...] Geracina Isabel de Souza, que se casou com o Capitão das Ordenanças Thomaz de Aquino Souza [...] do Rio Grande do Norte.
Do casal [...] descendem os Pompeu e os Catunda [...].

Do Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil, pai dos Doutores Thomaz Pompeu e Souza Brasil (Júnior), Antônio Pompeu, Hildebrando Pompeu e Dona Maria Tereza de Souza Acioly, mulher do Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioly, que foi Vice-Presidente da Província, Senador da República e três vezes Presidente do Ceará, descendem Thomaz Pompeu Neto, [...] os Senadores Thomaz e José Acioly, o Dr. Thomaz Pompeu Sobrinho, Presidente do Instituto do Ceará, o Embaixador Hildebrando Acioly, [...] e Dona Branca Acioly Sá, que foi casada com o Senador Francisco Sá, o qual por duas vezes, ocupo o cargo de Ministro da Viação (era mineiro) (sic). P. 30.


De Gregório Francisco Tôrres de Vasconcelos descende a família Tôrres, hoje grandemente disseminada pelos municípios de Santa Quitéria, Ipu, Ipueiras e Novas Russas (sic).
Toda essa geração numerosa e ilustre, originaria do senhor da casa do Jucurutu, cruzando com diferentes famílias do Ceará e de outros Estados, multiplicando-se em gerações sucessivas, alongando em outras linhagens a velha estirpe dos Pinto de Mesquita, dando ao clã uma continuidade fecunda e perene. P. 31.


O SENADOR DOS BOIS

Francisco de Paula pessoa disse certa vez:

“Minha madrinha [Nossa Senhora], venho agradecer-vos tudo quanto pedi e me concedestes. Amansei dois mil bezerros, sou Senador do império e completo hoje oitenta anos. Mas, minha madrinha, oitenta anos é tão pouco...”


●Francisco de Paula Pessoa, o “Senador dos Bois”, era irmão de Pessoa Anta:


A vida de Francisco de Paula Pessoa não foi fácil. Foi duríssima, de começo. [...]. Quando já enriquecido pelo trabalho, os bens lhe são confiscados. O irmão, João de Andrade Pessoa Anta, um dos cabeças da revolução de 1824, é fuzilado no Passeio Público, em Fortaleza, juntamente com o Padre Mororó e outros republicanos. 32.

No municipio de Santa Quitéria, sede do clã, situou o Senador Paula o maior número das suas grandes fazendas de gado e isto ainda mais fixou a sua presença no seio dos parentes afins, estreitando os laços de convivência e de solidariedade.

Da probidade de Francisco de Paula Pessoa, conta-se que, ainda quando comerciante em Sobral, numa das viagens que sempre fazia ao Recife, onde se provia de mercadorias para a sua casa de comércio, ajustou [...] a compra, por quarenta e dois contos de réis, de [...] numerosas fazendas de gados [...] espalhadas pelas ribeiras do Groairas, Macacos, Mundaú, Aracatiaçu e Coreaú, numa extensão de muitas léguas. 33.

A compra dessas grandes áreas de terras, nas quais se incluíam centenas de cabeças de gados, escravos e benfeitorias, aumentou consideravelmente os cabedais de Paula Pessoa [...]. 33.

Francisco de Paula Pessoa começou a negociar aos quinze anos de idade, com recursos próprios, depois de sair do teto paterno [...] tendo se estabelecido, aos vinte e quatro anos, em 1819, na cidade de Sobral, onde se fez comerciante em grosso. [...] Sobral lhe daria reputação sólida e os títulos políticos a que já aludimos. 35.

...Prossegue na sua ascensão e presta serviços relevantes à ordem na repressão aos Balaios. Foi mais uma vez, um dos Vice-Presidentes do Ceará e, em 1848 [...] foi escolhido Senador do Império [...]. 33.

Em 1864, com a saúde debilitada, o Senador já não pôde comparecer ao Rio de Janeiro para tomar parte nos trabalhos [...]. 36.


●Francisco de Paula Pessoa era Primo da Mulher de Thomaz Pompeu de Souza Brasil.


Era amigo íntimo do Senador Padre José Martiniano de Alencar e seu correligionário fiel. Ao primo da sua mulher, o Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil, passaria o comando do Partido Liberal na Província. A escolha de Pompeu para o Senado do império , em 1864, foi obra de Francisco de Paula pessoa, que tinha pelo parente afim e amigo dedicado a maior afeição. 36.

Um filho do Senador, Vicente Alves de Paula Pessoa, sentaria também numa das cadeiras do Senado da Monarquia.



O SEGUNDO SENADOR PAULA

●O primeiro Senador Paula foi Francisco de Paula Pessoa (o pai), e o segundo foi Vicente Alves de Paula Pessoa (filho daquele).


O segundo Senador Paula, Vicente Alves de Paula Pessoa, não foi um político militante como o pai, [...].

Filho do Senador Francisco de Paula Pessoa e de Dona Francisca Maria Carolina de Paula Pessoa, nasceu o Senador Vicente Alves de Paula Pessoa a 29 de março de 1828, na cidade de Sobral. Formou-se em direito, aos 22 anos de idade, pela Faculdade de Olinda, a 25 de novembro de 1850, voltando de Pernambuco ao Ceará, onde iniciou sua carreira de magistrado, como Juiz Municipal do Ipu, nomeado para essas funções por decreto de 2 de março de 1852. Foi Juiz Municipal de Fortaleza, Juiz de Lagarto em Sergipe, de São José de Mipidu, no Rio grande do Norte, e em Saboeiro, Aracati e Sobral, do Ceará. Juiz de Direito de Sobral, de 1866 a 1876, foi nomeado Desembargador da Relação do Pará, a 18 de dezembro de 1875 [...]. Dom Pedro II fê-lo Conselheiro em 1879, sendo ele aposentado [...] com as honras de Ministro do supremo Tribunal de Justiça, por decreto de 21 de outubro de 1880. p. 38.


Em 1881 [...] foi escolhido Senador pelo Ceará [...].

Morreu [...] na cidade de Sobral [...] [em] 31 de março de 1889: era um monarquista convicto, e não chegou a ver a Proclamação da República. p. 39.

Em 1877, publicou [...] sua obra mais importante, os “Comentários ao Código do Processo Criminal do Império”, [...].


●Livro de Vicente de Paula Pessoa: “Comentários ao Código do Processo Criminal do Império”.



O SENADOR THOMAZ POMPEU, UM PIONEIRO

Thomaz Pompeu.
Pai dele: Thomaz de Aquino Souza.
Aquele era Primo da mulher de F. de Paula Pessoa (36).
Genro de Nogueira Accioly. (49).

Sabe-se que o Senador [Thomaz Pompeu de Souza Brasil] fez o curso primário em Santa Quitéria, o berço natal dos seus antepassados, os Pinto de Mesquita, tendo por mestre seu próprio pai, Capitão Thomaz de Aquino de Souza, que era um homem suficientemente instruído, pois abandonara o Seminário de Olinda quando já cursava o primeiro ano de Teologia.
O Senador Pompeu era Padre e bacharel em Direito, ordenado e formado em Pernambuco. 41.

...Foi o Senador quem fundou o velho Liceu do Ceará... 44.

Jornalista, fundaria “O cearense”, órgão liberal, a 16 de outubro de 1846. .p. 46.

...Desde 1844, fôra (sic) eleito à primeira suplência da deputação geral, tomando parte nos trabalhos dessa legislatura, por falecido o [...] padre Costa Barros [...] . à Câmara Temporária foi chamado [...] até que em 1864 ocupou uma cadeira vitalícia no parlamento como Senador do Império. ...47.


●O Partido Liberal:

Os liberais pugnavam pelo trabalho livre, com a abolição dos escravos. Batiam-se pela temporalidade do Senado, então vitalício; pela autonomia das Províncias, que viviam sob o domínio da centralização do sistema monárquico, não tinham Constituição e cujos presidentes eram nomeados pelo Imperador e, como tais, meros delegados do poder imperial. E queriam ainda a reforma do sistema eleitoral, além de outras. 49.

Talvez se encontre aí a razão que levou seu sobrinho e afilhado, o Senador Joaquim Catunda, a aderir, mais tarde, ao ideal republicano.
O próprio Pompeu era um liberal avançado, da linha do chamado grupo ortodoxo do liberalismo, que tinha fundas raízes nos movimentos republicanos de 1817 e 1824, quando parentes seus, os padres Mororó e Miguelinho, foram imolados aos seus ideais de liberdade e republicanismo.
Era o Senador um legítimo herdeiro político de José Martiniano de Alencar e do Coronel pessoa Anta, irmão do primeiro Senador Paula Pessoa, e fuzilado juntamente com padre Mororó. Não estaria, a essa altura da sua vida pública, desiludido Pompeu do sistema monárquico reinante e já evoluindo para o ideal republicano?


●Thomaz Pompeu de Souza Brasil era genro de Acioly.


Tudo indica que sim: seu genro, o futuro Senador Nogueira Acioly, escolhido (mas não empossado) para a Câmara Alta, nas vésperas da proclamação da República, adaptou-se e sobreviveu bem ao advento do novo regime, do qual foi figura exponencial durante muitos anos. 49.

Era considerado o chefe dos liberais do norte do Império e muitas províncias do Sul lhe delegavam poderes para advogar seus interesses no Parlamento. 50


●Relatório de Thomaz Pompeu falando de educação:


...apresentou relatório ao chefe da província, no qual insiste pelas suas idéias reformistas [...].
“...A nossa educação secundária, modelada pelos liceus de províncias e colégios de cursos jurídicos, parece só ter em vista preparar nossa mocidade para esses cursos e dar-lhes uma educação puramente clássica e teórica, no que certamente não atende às necessidades educacionais do nosso país. Ela deveria compreender parte dos conhecimentos científicos que têm (sic) mais relação com as artes e as indústrias e que tendem a formar homens úteis e de alguns conhecimentos para a vida prática e produtiva, ficando ao gênio e ao talento especial dedicar-se à instrução literária e superior”.
E continua: “Nos países adiantados, como é sabido, aplica-se cada jovem àqueles conhecimentos que tem de utilizar na sua projetada vida futura. Entre nós, porém, depois de um conhecimento imperfeito de instrução primária, passam os educandos para o estudo do Latim, Lógica, Retórica, etc., seja qual for a profissão a que se vão dedicar, e entrados, depois, no terreno da vida prática, aplicados ao comércio, à agricultura, à criação e às artes, nenhum uso podem fazer desses conhecimentos, e são forçados a esquecer princípios que não sendo outra coisa mais do que preparatórios para as ciências superiores, não têm aplicação nenhuma na vida ativa e laboriosa a que se vão entregar no meio em que vivem. 51
E conclui: “Julgo, pois, conveniente que se reforme o nosso plano de educação, no sentido de se dar alguma tendência à nossa mocidade para a indústria e o trabalho, transmitindo-lhe alguns conhecimentos das ciências naturais, principalmente da física e mecânica, tão necessárias para o conhecimento da propriedade dos corpos, ação dos agentes naturais e suas diversas combinações e aplicações nos processos da indústria e do trabalho em geral. È notável que em um país onde a agricultura e a criação de gados formam meios de auxiliar a exploração e o desenvolvimento dos recursos naturais e de evitar os males que paralisam essas indústrias, meios que poderão encontra-se pela escola, no conhecimento das ciências práticas”. P. 51-52.


●Pompeu era Sócio da Estrada de Ferro do Baturité.


E quem defendia tais idéias era um humanista completo, de imensa cultura, bebida nas ciências e nos clássicos da antiguidade, um filósofo e um teólogo, um padre que era também um bacharel, um típico elemento da elite intelectual brasileira do século passado. 52.

Organizou a “Companhia Cearense Via-férrea de Baturité”, em 1870, destinada à construção da estrada de ferro que se estenderia, muitos anos depois, até a cidade do Crato, no sul do Ceará. 53.

Os trabalhos de construção do leito da estrada tiveram início no dia 20 de janeiro de 1872, [...].

Depois da sua morte, em 1877, os negócios da “Companhia Via-Férrea de Baturité”, da qual Pompeu era, desde a sua fundação, o presidente, sofreram sensível declínio, que poderia ter resultado na paralisação dos trabalhos de prolongamento da estrada, se o Governo Imperial não a houvesse encampado, como fez, por decreto de 8 de janeiro de 1878, no qual, também, autorizou o início da construção da Estrada de Ferro de Sobral. 53.


Raro comparecia às palestras nas “rodas nas calçadas”, hábito de feição cearense perfeitamente justificado naquela época em que não havia clubes nem casas de diversão”....(sic).




O SENADOR CATUNDA


●Catunda era inimigo do padre Correa e ambos eram liberais!!!


O Senador Joaquim de Oliveira Catunda, um Pinto de Mesquita que se fez liberal e depois republicano [...]. Era homem de muito talento, poliglota e autodidata, imaginoso e aristocrata.
Foi professor primário no Ipu, no inicio da sua vida pública, quando, então, escreveu a famosa biografia do último vigário colado da freguesia de São Gonçalo da Serra dos Cocos, o padre Francisco Correia de Carvalho e Silva, político sertanejo dos mais astuciosos e petulantes em seu tempo. 56.


OBS: Catunda foi quem escreveu a biografia do padre Correa; se ambos eram liberais, que porra é essa? Nertan Macedo não poderia ter se enganado; o que nos deixa sem uma explicação convincente para um ataque tão virulento ao padre do Ipu. (poderia ser algo pessoal, intimo? Ou nesta época o padre era Conservador?)

Catunda nasceu na então povoação, hoje cidade, de Santa Quitéria, no Ceará, em 2 de dezembro de 1834, filho do Capitão Antônio Pompeu de Souza Catunda. 57.

Estudou [...] no Liceu do Ceará, tendo, nesse intuito, ido, em 1849, para a casa do seu tio e padrinho, o Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil.

Matriculo-se na Escola Militar, em 1857 [...].


Pretendendo, depois, um emprego público, foi nomeado segundo escriturário da Alfândega da Corte, por concurso, em 1862, e primeiro escriturário da Alfândega do Ceará, em 1864.
No ano seguinte, foi nomeado Oficial-Maior da Secretaria do Governo, em 1879, Secretário do Tribunal da Relação.


●Catunda morreu em 1907, como senador na República. Vê-se a facilidade com que estas elites se adaptaram aos novos tempos.

Antes da quedada Monarquia e depois da morte do seu tio, o Senador Pompeu, aderiu às idéias republicanas, fundando com outros companheiros o Centro Republicano do Ceará, do qual era presidente na data da proclamação da Republica, em 15 de Novembro e 1889.
Eleito Senador Federal, em 1890, faleceu no exercício de suas funções legislativas, pois for sempre sucessivamente reeleito, no dia 28 de julho de 1907, vitimado por uma gripe intestinal. P. 57.


● Livro de Catunda: “Estudos de História do Ceará”.


Como historiador – o Joaquim Catunda é autor dos “Estudos de História do Ceará”, reeditado em 1919 [...].
Anticatólico, responsabiliza, na introdução [...] o dogmatismo cristão pela quebra de continuidade no conhecimento da evolução humana.
Através dos séculos, o dogma, diz ele, serviu apenas para afadigar o espírito humano “no acanhado âmbito das concepções semíticas, cerradas pela Igreja e pelas fogueiras do Santo Oficio as avenidas que conduzem ao conhecimento científico das coisas”.

Ele representa o clássico cientificismo do século passado, o que, entretanto, não anula certa originalidade de Joaquim Catunda ao abordar coisas, fatos e homens da sua terra natal.


●Opinião de Catunda sobre a gênese do cearense: “preguiçosos, vagabundos e pederastas”.


Não tinha também muitas ilusões acerca do homem cearense, rebento do português predatório e dos tubinambás afeitos ao roubo, preguiçosos e salteadores, vagabundos e guerreiros, que “cultivavam com tal excesso o vício da pederastia que se pode considerar como uma das causas do pouco desenvolvimento da população” (referia-se à população do tempo do povoamento).
...Os índios cearenses não tinham moral nem senso de propriedade. Eram bebedores inveterados, comedores de piolhos e barro, exibicionistas sinistros, faladores em excesso. P. 58.

...”Se a raça fosse capaz de governo regular teriam (eles, os índios) chegado ao regime parlamentar, não por amor da loquacidade vã que tanto apaixona as raças interiores, e aos espíritos vulgares nas raças superiores”. 59.

Sempre a maltratar os índios, fala o Senador, com simpatia e admiração, dos jesuítas Francisco Pinto e Luiz Figueira, os dois grandes missionários da Ibiapaba, o primeiro dos quais assassinado pelos selvagens da região.

Não faltara a Joaquim Catunda desembaraço e firmeza para criticar as origens do seu povo cearense. Tais origens se revestiam de péssimos antecedentes e predicados.
“Foi a indústria pastoril [...] que povoou os sertões do Ceará. Crioulos portugueses das possessões africanas e das capitanias vizinhas se estabeleceram à margem do Pageú, do Pacoti e pequenos vales do Jaguaribe, do Acaraú e de outros rios. Nobilitou a coroa de Portugal o casamento de seus súditos com mulheres indianas, e a mestiçagem cresceu com rapidez prodigiosa. A mulher cearense é de fecundidade pouco comum”.
Dirá ele [...] da terra, que ela “foi também o refúgio de malfeitores, ladrões e vadios das capitanias vizinhas, onde já os inquietava a polícia. Essa estranha população vivia nos bosques, caçando e furtando gados...” p. 59.


●Catunda criticando a organização política e judiciária do Ceará (na república?):


Ao comentar depois a tentativa de organização política e judiciária do Ceará, não perde Catunda a oportunidade de, maliciosamente, recordar que os primeiros senadores eleitos “representavam o adiantamento intelectual da Capitania – somente um sabia ler e escrever”, mas, apesar disso, “não consta de documentação nem diz a tradição que nos tempos coloniais houvesse falsificação de ata eleitoral ou compra de votos”... p. 60.


●Compra de voto no inicio da república (?):

...“não consta de documentação nem diz a tradição que nos tempos coloniais houvesse falsificação de ata eleitoral ou compra de votos”... p. 60.

OBS: Ora, a necessidade da compra do voto, ou do “falseamento” das eleições, retrata justamente a crescente dificuldade destes grupos em manter o domínio, pois antes simplesmente não havia disputa.




OS CORONÉIS DE SANTA QUITÉRIA


A pequena Santa Quitéria é a cidade dos Pinto de Mesquita, no alto sertão norte do Ceará. 61.
Quem a viu, numa noite, adormecida à luz mortiça dos seus postes, ou sob um claro luar, não a esquecerá mais.

E, dede então, desde aquele recuado tempo, Santa Quitéria foi sempre dominada e governada pelos Pinto de Mesquita, que nela subsistem, que nela se reproduzem, na cidade, nas fazendas, nos povoados do município, ora com sobrenomes diferentes como Catunda, Pompeu e Magalhães, ora, e com maior freqüência, com o velho sobrenome originário do Minho. 61.

Vão assim realizando, através do processo agregativo e ininterrupto da comunidade parental, o sonho dos fundadores da cidade, que a desejavam destinada a perpetuar-lhes o nome e a tradição.


Santa Quitéria sempre foi, como dissemos, um domínio, um feudo dos Pinto de Mesquita. Estes, numerosos e influentes embora, mantiveram-se, pelo tempo a fora, ordeiros e pacíficos. A cidadezinha, familiar e endogâmica, não registra, na sua história, as façanhas e os dramas sangrentos, tão comuns a outras cidades e municípios sertanejos, de crônica avermelhada e bulhenta. 62.

Curioso: essa linha de comportamento social, característica da região, da qual Sobral é a expressão mais legítima, é motivo de pilheria para o resto do Ceará. Quem vai aos Estados Unidos de Sobral – dizem – tem que tirar passaporte e comprar dólares...
Uma única vez tiveram os Pinto de Mesquita de apelar para as armas.


●Assalto à Santa Quitéria (1825):

...quando a então povoação de Santa Quitéria foi assaltada, em abril de 1825, por um grupo de facínoras, chefiado por Benedito Martins Chaves, da célebre família Chaves do Coronel Manoel Martins Chaves [...] e aparentado dos Feitosas dos Inhamuns.

Visavam os salteadores, que, antes, já haviam investido contra Vila Nova D’El Rey (hoje Guaraciaba) e ameaçado a Vila do Sobral, saquear as casas de residência e propriedade do rico Capitão-Mor Antonio Pinto de Mesquita e seu genro, o Coronel Vicente Alves da Fonseca, mas estes, prevenidos em tempo, os repeliram, fazendo-os recuar numa noitada de nutrido e impetuoso tiroteio, no qual foram mortos dois dos do grupo assaltante, saindo outros feridos.



●Governador sugere a eliminação de criminosos:


...José Felix de Azevedo e Sá [governador da província] [...] oficiou, em 27 de abril de 1825, ao chefe de polícia, [...]: p. 62.
‘”Tendo chegado ao meu conhecimento o insulto feito na povoação de Santa Quitéria às autoridades da mesma povoação por Benedito Martins Chaves e outros de seu grupo, a ponto de atacar com armas e fazer fogo contra as pessoas e residências do Capitão-Mor do distrito, Antônio Pinto de Mesquita e Comandante do mesmo distrito, Coronel Vicente Alves da Fonseca, que estavam acompanhados de alguns cidadãos pacíficos que se tinham armado para se defenderam do premeditado insulto de Benedito, não havendo morte alguma [...] da parte dos pacíficos cidadãos, e sendo antes morto dois e feridos outros, dos agressores, e cumprindo-me primeiro dever guardar a ordem e tranqüilidade dos povos desta Província, pó-los ao abrigo de malvados e assassinos de que tanto se acha infestada esta província, já pelo desleixo de alguns Comandantes, ordeno a V. S.ª que preste todo auxilio ao sobredito Capitão-Mor e Comandante para a captura dos bandidos Benedito e seus companheiros, e lhe recomendo haja de empregar toda a diligência possível para prendê-los e remetê-los com toda segurança para as cadeias desta capital, podendo fazer-lhes fogo no caso de que façam a menor resistência, pois a sociedade, bem longe de perder com aniquilação destes e outros semelhantes, lucra consideravelmente com a restituição da sua tranqüilidade, tão atroz e injustamente roubada. [...]”. 63.

OBS: O ataque estendeu-se a Sobral, Santa Quitéria e Campo Grande; haveria nele alguma conotação política? Não sei, mas não podemos descartá-lo.

Passando esse acidente da sua história, retomou Santa Quitéria a sua marcha para o progresso, lento sem dúvida, como o de todas as velhas cidades sertanejas, mas impulsionado, sempre, pelo trabalho pacifico e a solidariedade parental dos seus habitantes.



●Seca de 1877:


[Antonio Bezerra, em 1883, passando por Santa Quitéria diz:]

“Assentada sobre a margem ocidental do rio Jucurutu, numa planície em forma de ângulo que descreve o rio deste lado, conta a Vila de Santa Quitéria umas cento e vinte casas distribuídas na longa praça em cujo centro se acha a igreja matriz, em três ruas das quais a melhor e mais bem edificada corre à esquerda do templo em rumo de Sul e Norte, e ainda em outras com largos intervalos em sentido contrário atravessando estas. Um edifício elegante quase vê ao lado oriental da praça, destinado à servir para a Câmara Municipal e Intendência, está abandonado à falta de um pequeno auxilio dos cofres provinciais. É pena; não há outro melhor em outra parte. Está traçado com todas as regras da arte. [o prédio foi concluído em 1888] O mercado no extremo sul da rua mais extensa, não está inda concluído, mas no que se há feito apresenta quartos de frente elevados que prometem, na conclusão, um excelente edifício. Perto daqui, levantam-se novas casas, pelo que noto que a vila se estende para este lado. É a primeira localidade que se lembrou de construir, depois da seca de 1877. A vila apresenta perspectiva alegre e como sertão o seu território é um dos mais produtivos da província. P. 63-64.


OBS: Vê-se claramente que a seca já havia se transformado numa “oportunidade” aos políticos daquele momento; a conclusão destas obras sempre está ligada às estiagens. O progresso, com a instalação de prédios públicos nesta área, está irremediavelmente ligado às verbas das secas.

OBS: Já havia intendências em 1883? Ou era só uma meta? Isso quer dizer que a maturação institucional não fora abortada com a instalação da república (1889).


●Bailes e festas de elite:


Algumas coisas do passado já não existem em Santa Quitéria. Deixaram, porém, forte memória naquela terra.
Animados bailes do sobrado da Intendência encerrando, com as suas valsas, chotes e quadrilhas, tradicional festa de junho, a mais importante e ruidosa que se celebrava na cidade e que atraía famílias da melhor sociedade de Sobral e de outras cidades vizinhas. P. 64.


●Colégio em Santa Quitéria e região em 1900:


O colégio do padre Tabosa (anos 1900-1904), o primeiro estabelecimento de ensino secundário que se instalou ao norte do Estado, de tanta significação para o tempo e o meio e que, numa pequena vila sertaneja, manteve sessenta e três alunos internos vindos de Sobral, Ipu, Crateús, Ipueiras, Itapipoca, Tamboril e outras localidades.


...o que mais se recorda e se venera em Santa Quitéria são as figuras austeras dos seus coronéis, uma legião de oficiais da Guarda Nacional que ali acampou para comandar, não soldados mas vaqueiros.


●A sede da Guarda Nacional? (pode ser, pois a cidade era muito influente no século XIX).


O pequeno burgo dos Pinto de Mesquita era, na verdade, o Quartel-General da velha e desaparecida Guarda Nacional no Ceará.
Certo, esses coronéis não comandavam corpos de tropas e aguerridos batalhões.


●Manipulação de eleitores:

A patente, ornada com a chancela oficial, dava-lhes, além de tudo – porque se não tinha comando militar, validamente o exerciam através da ascendência sobre a parentela numerosa, os vaqueiros e agregados, e chefiando as massas eleitorais que faziam marchar para as batalhas das urnas, tão acesas e atritantes como os entreveros de campo.


●Festas e fardão da Guarda:

Nos dias e nas festas de gala e nas procissões religiosas, os coronéis quiterenses vestiam o seu solene “croisé” (sic) de lapelas de seda e alguns deles ostentavam a sua farda de oficial da Guarda Nacional, enfeitada de dragonas e alamares.


Só o que não mudou foi o domínio que ali exercem os Pinto de Mesquita.
Nenhum alienígena será capaz de arrebatar-lhes o comando.
O partido do governo e o da oposição constituem grupos organizados e dirigidos pelos homens do clã.
Nem foi para outra coisa que um filho do patriarca do Jucurutu Velho fundou aquela cidadezinha sertaneja. P. 66.

Fortaleza, Ceará.
Março a julho de 1967.




APÊNDICE


NOTAS DE UM CADERNO DE LEMBRANÇAS DO SENADOR THOMAZ POMPEU DE SOUZA BRASIL, INICIADAS QUANDO AINDA ESTUDANTE DO SEMINÁRIO DE OLINDA


●Viagem de Santa Quitéria a Recife: 72 dias de viagem.


“Saí de minha casa [em Santa Quitéria] para Pernambuco, no dia 15 de julho de 1836, de Sobral no dia 23, do Ceará (Fortaleza) no dia 10 de agosto, cheguei no Recife no dia 27 de setembro, entrei no Seminário no dia 10 de outubro. [...]

●Santa Quitéria não ficava “no Ceará” (o Ceará era Fortaleza).


Saí de Pernambuco a 23 de novembro de 1843, cheguei em Santa Quitéria, muito doente de sezões, já ordenado sacerdote, a 12 de dezembro. Fui ao Ipu, a 10 de janeiro de 1844, andei por São Gonçalo [...], e voltei a Santa Quitéria a 8 de fevereiro. Fui para Sobral em princípio de março, onde fui convidado para defender uma causa civil no Ipu, para ali fui em princípio de abril. Saí para Santa Quitéria em junho, e dali para o Ceará, em julho, voltei do Ceará em fim desse, fui para Sobral em 2 de janeiro de 1845, e dali para o Ceará, passando por Santa Quitéria em 8 de janeiro. Cheguei ao Ceará a 18 do mesmo mês, com intenções de embarcar para Pernambuco. Fiquei aqui [...] quando aceitei o cargo de professor de Geografia e Diretor do Liceu”. P. 72.

Nasci a 6 de junho de 1818, em Santa Quitéria da Comarca de Sobral, Província do Ceará, filho legítimo do capitão Thomaz de Aquino Souza e Jeracinaa Isabel de Souza, [...]

Tive a notícia da morte de meu pai (em Recife), no dia 24 de dezembro de 1839 [...] . Morreu em Vila Nova [...] longe de casa, de sua família, longe de mim, seu filho mais caro. [...].


●Endogamia clãnica:


Casou minha mana Maria [Joaquina de Souza Magalhães], no dia 5 de julho de 1838, com o meu primo João Antônio de Mesquita Magalhães. Soube disto em Olinda, no dia 6 de setembro do mesmo ano. Casou-se, no dia 19 de julho de 1838, o meu mano [Antônio Pompeu de Souza Catunda] com a irmã do meu dito primo e cunhado, dona Inocência Pinto de Mesquita, filha legítima do meu tio capitão Ludovico Pinto de Mesquita, e soube em 6 de setembro do mesmo ano. P. 74.

OBS: Questões que podemos tirar daí:
a) Endogamia;
b) A demora na chegada das notícias;



●Pompeu torna-se padre e advogado:


Ordemou-me Diácomo, no dia 19 dede março de 1840 [...] o Exmo. Bispo D. João da Purificação [...] Cantei missa [...] no dia 18 de setembro de 1841. [...].
Tomei o grau de bacharel formado em ciências jurídicas e sociais a 24 de outubro de 1843 [...]. p. 73.

OBS: Estas eram estratégias da família para preservar postos de poder na Igreja, no judiciário e na política.


●Fala dos exames que prestou para ingressar no seminário, e para o curso de direito:

[Latim, aritmética, francês, inglês, Cronologia e História].


●Filhos “bastardos” do padre Pompeu:


Fui provido nas Cadeiras de Geografia e História e Diretor do Liceu do Ceará, em 18 de maio de 1842, com muita pouca vontade de minha parte, e só para anuir aos desejos de minha família que não queria que eu continuasse fora do Ceará. Neste mesmo ano, a 3 de agosto, tendo sido eleito 1º suplente de Deputado Geral, com a morte do Ver. Costa Barros, [...] passei a ocupar o seu lugar no Parlamento, e fui depois eleito deputado provincial. Em 1º de setembro de 1846, nasceu o meu primeiro filho que foi batizado pelo vigário Justino, sendo padrinho o Dr,. Lima; morreu a 6 de dezembro do mesmo ano. Em 11 de novembro de 1842, às 9 horas da noite, nasceram gêmeos dois filhos meus, um do sexo masculino, o outro do feminino, o primeiro [...] faleceu a 14 de junho de 1850. [...]. p. 75.

OBS: Repare que ele encara com a maior naturalidade o fato de ter filhos (só não aparece o nome da esposa; o que evidencia que a profissão de vigário não era levada muito a sério (era só uma questão de poder) e que a mancebia o incomodava, pois nada nos diz do nome de sua esposa, que lhe gerava “filhos naturais” e bastardos e um casamento “ilegítimo”.


● Tereza de Souza Acioly, filha de Pompeu e esposa de Acioly:


Minha filha Maria [Tereza de Souza Acioly] nasceu a 11 de novembro de 1849, foi batizada pelo vigário Carlos augusto Peixoto de Alencar, forma seus padrinhos seus tios, meu cunhado Coronel João Antônio de Mesquita Magalhães e minha irmã Maria Joaquina de Souza Magalhães [...]. O meu filho Hildebrando nasceu a 11 de dezembro de 1853, [...] foi batizado em casa, [...] foram padrinhos o Dr. Vicente Alves de Paula Pessoa e a minha sobrinha Joana de Oliveira Catunda, filha do meu irmão Antônio Pompeu de Souza Catunda, no dia 2 de janeiro de 1854.” P. 76.






THOMAZ POMPEU DE SOUZA BRASIL (DR.)

Filho do Senador Thomaz Pompeu de Souza Brasil, nasceu em Fortaleza a 30 de junho de 1852.

Depois de formado em 1872, assumiu a redação do “Cearense” ao lado do pai, de José Pompeu e João Brígido.

De 1878 a 1886 foi eleito e reeleito deputado à Assembléia Geral Legislativa, [...].

Em 1880 [...] a 8 de julho desse mesmo ano fundou , João Lopes,Julio César e João Câmara , a “Gazeta do Norte”, órgão dos liberais Pompeus.

● O Pompeu - filho - residente da província do Ceará:

Ao deixar a administração da Província, como vice-presidente que sucedeu ao presidente Henrique d’Avila, apresentou importante Relatório sobre a Assistência Pública em 1888 e 1889. p. 79.



● Atuação intelectual do segundo Thomaz Pompeu:



Comercio e indústria no Ceará [...] 1885. p. 79

População do Ceará. [...] Revista do Instituto do ceará, ano 1889, pag. 78 e ano 1890, págs. 72 e 253.

Discurso proferido na sessão de 12 de março de 1889 [do Instituto Histórico do Ceará], por ocasião de sua posse de sócio efetivo [...] 1889.

Dualidade das Câmaras Legislativas [...] 1891[...].

Vantagens do trabalho de irrigação no Ceará Fortaleza, 1892.

Rápida notícia sobre o Ceará destinada à Exposição de Chicago, [...] 1893 [...].

Memórias sobre o plantio da maniçoba, [...]

As vantagens da irrigação por meio da barragem do boqueirão de Lavras, [...] [1894].

Lições de Geografia Geral [...] [1894].

Importância da vida humana como fator de riqueza. O desenvolvimento da população de Fortaleza. Natividade e mortalidade. Revista da Academia Cearense [...] 1896.

Analise dos diferentes sistemas de esgotos. [...] 1896. p. 79.

Os efeitos benéficos das medidas higiênicas e especialmente dos esgotos. Revista da Academia Cearense, ano 1897. p. 80

Relatório da Associação Comercial do Ceará [...] [1899].

Irrigação no Ceará, Revista da Academia Cearense, 1902, pp. 69-121. [...].

Memórias sobre a cultura da cana-de-açúcar no Ceará, 1904 [...].

Prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité, série de artigos sobre o melhor traçado para o Crato, publicado em em 1905 no jornal República.

Relatório apresentado ao secretário de Estado dos Negócios do Interior José Pompeu Pinto Accioly [...] em 1907 [...].

O Ceará no começo do Século XX [...] 1909 [...].

O Ensino Superior no Brasil e Relatório da Faculdade de Direito do Ceará nos anos de 1911 e 1912, Fortaleza, Typ. Minerva, 55, Rua Major ;facundo, 1913, in-8º de 489 pp.

Memória Histórica dos anos de 1914 e 1915 apresentada à Faculdade de Direito do Ceará, acompanhada de um estudo sobre Método de ensino das Ciências Jurídico-sociais. 1917 [...]. p. 80.

O ceará no Centenário da Independência do Brasil [...] 1922 e 1926. . p. 81.



Foi presidente da Academia Cearense e do Instituto do Ceará, sócio correspondente do Instituto Histórico da Bahia, da Sociedade de Agricultura do Rio de Janeiro, lente aposentado do Liceu e Escola Normal do Ceará, lente em disponibilidade da Escola Militar do Ceará, Diretor lente da Faculdade do Ceará, cujo Regulamento organizou em 1903. p. 81.

Faleceu em Fortaleza a 6 de abril de 1929 [...].


OBS: este homem foi o “intelectual orgânico” mais ativo da república velha no Ceará, produzindo um conhecimento técnico-científico que pretendia servir de substrato para as ações e reações políticas da facção lideradas por seu cunhado Accioly. Nele salta aos olhos o uso do conhecimento científico para moldar o ambiente social, geográfico e humano; as preocupações com a geografia forneciam subterfúgios para as estratégias de intervenção no semi-árido, as analises acerca da população da província/Estado permitem conhecer o “homem” – o retirante -, os investimentos em Estadas de ferro, Açudes, irrigação etc. permite ao grupo construir as justificativas que serviam de suporte ao uso do “socorro aos pobres” com fins de “investimento infra-estrutural” no Ceará.
Há em Pompeu e seu grupo uma clara preocupação com a construção de uma memória histórica para o Ceará; e instituições como o Instituto Histórico do ceará e a Academia Cearense serão ferramentas fundamentais nesta direção.



COMENDADOR ANTÔNIO PINTO NOGUEIRA ACCIOLY


OBS: Genro do primeiro Senador Pompeu e cunhado do segundo, Accily não representam uma ruptura, mas uma continuidade, do monopólio político em torno deste grupo. O consenso em torno do poder não deixou de pertencer a alguém próximo aos Pompeus; mas distancia-se um pouco da região de Sobral, com a morte de Vicente Alves de Paula Pessoa.


1840 – 1921. Nasceu em Iço, a 11 de outubro de 184, sendo seus pais José Pinto Nogueira e D. Antônia Pinto Nogueira, filha de José Pinto Coelho, português e negociante naquela cidade.


● Accioly é nomeado promotor público e juiz:


Havendo-se bacharelado na faculdade e Direito de Recife, em 1864, oriundo de uma família de influência na antiga Província, obteve fácil entrada na vida pública, sendo logo nomeado Promotor de Justiça da cidade natal, lugar que deixou para desempenhar mais tarde os de Promotor Público de Saboeiro e Juiz Municipal de Baturité e Fortaleza.
Ao tempo da Reforma Judiciária, em 1871, ocupou o cargo de Substituto da comarca especial de Fortaleza.


● Accioly herdeiro político de Pompeu e Alencar:


Não era, todavia, a magistratura a carreira que o destino lhe acenava com as mais risonhas promessas, e sim a política. Esta o sagrou igual, na autoridade e prestígio, a João Facundo, Alencar e Pompeu, os grandes chefes liberais do Ceará no antigo regime, e o distinguiu com uma Cadeira na Câmara dos Deputados Gerais. Em 1880, e com a escolha para Senador em julho de 1889, depois de memorável pleito eleitoral, cheio de complicações e surpresas. A C. I.. de sua nomeação de Senador tem a data de 25 de outubro. P. 82


● Eleição de Accioly para o Senado, em 1889, ainda na monarquia:

Procedeu-se a eleição em 1889, para o preenchimento da vaga ocorrida com o falecimento (31-3-1889) do Conselheiro Vicente Alves de Paula Pessoa. Constitui-se lista tríplice:
Joaquim da Silva Freire (Barão de Ibiapaba)....................................................4.398 votos.
Antonio Pinto Nogueira Accioly.......................................................................4.286 ,,
Tristão de Alencar Araripe................................................................................4.187 ,,


Em 1884, quando vice-presidente do Ceará, foi nomeado presidente da Província do Espírito Santo, cargo que não aceitou.
A Revolução de 15 de Novembro não lhe permitiu tomar assento no Senado, [...]. p. 83.

...a República fê-lo (sic) Presidente do Congresso Estadual, reunido após a deposição do General José Clarindo, 1º vice-presidente do Estado. Senador Federal (2 vezes), presidente do estado em sucessão ao governo do Cel. José Freire Bezerril Fontenelle e novamente em substituição ao Dr. Pedro Augusto Borges, sendo reconduzido no cargo em 1908.

Desta sorte, o Deputado Provincial nos biênios de 1866-67 e 1868-69 chegou a ocupar os mais elevados postos na magistratura e política de sua terra.
Deposto do governo do Estado por um movimento popular a 24 de janeiro de 1912, passou a residir na Capital Federal, onde faleceu a 14 de abril do ano corrente. P. 83.



A SALVAÇÃO DO CEARÁ



(inconcluso)




Catunda ataca ao padre Correia no Bacamarte dos Mourões:




Os ataques de Catunda, filho de uma das maiores lideranças liberais da então província foram virulentas e intrigantes:

Em princípios deste século, na cidade de Aracati, Rua do Pelourinho, [...] nasceu uma criança do sexo masculino. [...] As trevas tornaram-se mais espessas; uivaram-se os cães; as aves da noite esvoaçaram [...] soltando logos e dolorosos pios; ouviu-se um ribombo perlongado e surdo como o de um trovão subterrâneo; e o solo foi agitado por súbitas e violentas comoções e um cheiro acre de enxofre derramou-se pela casa da parturiente e circunvizinhança.

"Heróis" do Ipu

1 - “HERÓIS” FUNDADORES

Imaginemos, por um minuto, um aventureiro que em pleno século XIX tenha desembarcado nas areias brancas das praias de Camocim, e, numa canoa, com alguns companheiros, armados de espingardas e arcabuzes, tenham subido a foz do Rio “Caracú” (o Acaraú de hoje) ; e depois de muito penetrarem sertão a dentro, assaltados nas margens, vez ou outra pelos Arariús, reriús, trembés e outros povos bravios, eles desembocam na antiga fazenda Caiçara (agora chamada de Vila de Sobral); local tacanho, mas já naquela época uma ilha de civilização em meio ao selva espectral da caatinga monstruosa e quase desabitada; e lá em Sobral recebem instruções para seguirem, sertão-acima, navegando sempre à noite, para despistar os selvagens e as jaguatiricas, que se escondem nas matas para atacar aos aventureiros. Depois de uma semana, os visitantes chegam ao imenso - quase descomunal – paredão da Ibiapaba. Ali, de repente, diante da muralha da natureza, a civilização termina e a selva de defende da corsa do europeu desbravador. Encima um planalto ainda virgem (habitado por onças e índios); em baixo a planície onde uma precária igrejinha de taipa serve de “bandeira de conquista” da civilização sobre a barbárie dos nativos. Virada de costas para o vale, a igrejinha está já rodeada de uma centena de casinhas de taipa e de palha; e de seu lado direito algumas sepulturas de “valentes” que ali tombaram; em seu lado esquerdo o rio Puçaba (era este o primeiro nome de nosso rio) ; os visitantes se deparam, de repente, com a população daquela época; era,m homens brutos, se dermos créditos aos documentos da época:
“Tamboril tem produzido homens notáveis, entre estes o coronel Diogo Lopes de Araújo Sales, que o Ministro da Agricultura, (...) em 1855 dizia não conhecer no país mais hábil catequista dos índios. À sua espada encantada, que não podia soltar, pelo receio de exterminá-los de um só golpe, deveu ele escapar mais de uma vez às sedições dos selvagens. Seus serviços nessa arriscada empresa foram de feitos relevantes.”

“Eram por demais turbulentos (...) [e] sanguinários os primeiros povoadore desta parte da província, (...) os homens mais influentes (...) percorriam com bandos armados da serra ao vale e do vale à serra, decidindo de tudo [na] (...) lógica do bacamarte. Esses facínoras traziam em sobressalto Tamboril e (...) Príncipe Imperial (Crateús), Independência, Boa Viagem, Pedra Branca, Santa Quitéria e Ipu.”

Quase tão bárbaros quanto os selvagens que eles caçavam com tiros de espingarda e mosquetão, os moradores do Ipu, ali, isolados e vivendo entregues a própria sorte, haviam se tornado homens brutos e sanguinários. Não tendo recursos humanos ou materiais para ocupar as terras do “Ciará Grande” (e a região de Ipu esta neste meio), Vossa Majestade El’Rei de Portugal (e depois da independência, D. Pedro I e D. Pedro II) delegava poderes quase absolutos para seus súditos que por aqui vinham construir a “civilização”. Os colonos que viriam povoar os sertões do Ipu tinham licença para matar, prender, soltar, julgar, perdoar, e condenar, principalmente aos índios, negros e/ou brancos pobres que lhes deviam obediência; foi assim que nasceu a conhecida prepotência de nossas elites e a exagerada submissão de nossos “cabras”! Com a independência, em 1822, D. Pedro I, após esmagar os confederados do Equador e outras rebeliões do “Norte” do Brasil, passou a delegar poderes de polícia aos fazendeiros e seus filhos; a Guarda Nacional, a Câmara de Vereadores, a Igreja, o judiciário local, o delegado de polícia eram instituições controladas pelas primeiras famílias patriarcais da região (os Mello Marinho, os Araújo, os Galvão, os Corrêa, os Carvalho, os Sousa, os Aragão e muitas outras, eram os “donos do Ipu). Os dois grupos políticos em disputa eram os Liberais e os Conservadores; os Liberais eram representados pelo Padre Correa e por Vicente Ferreira de Lima; os Conservadores eram representados principalmente pelos Mourões, poderosa oligarquia parental sediada na Serra dos Cocos. A política se fazia com a violência e pela violência.
Na Ipu Grande aldeia, vila e depois cidade fora a Igreja o epicentro de onde se irradiou a ocupação do espaço físico. Primeiro como “acampamento” militar e religioso, depois como “porta aberta para o Céu”, e por ultimo como “imã da civilização”, a Igreja, ao lado da Guarda Nacional, fora a instituição mais atuante no “forjamento” da índole do homem dos sertões; fora ali, frente ao paredão da Serra Grande que a civilização conteve seu avanço e assentou acampamento diante da muralha desafiadora que serviu de refúgio aos povos nativos. Ali se travou desde o início uma luta pelo controle do símbolo, pois o “valle” onde fora instalado a capela “era elle [...] local das festas da tribu imperante nas cercanias, e mais, para enterramento dos mortos, o que faziam encerrando os cadaveres em féretros caprichosamente feitos de barro” .

Nós ipuenses, temos na nossa índole desde a petulância dos velhos coronéis da Guarda Nacional à submissão canina de escravos indígenas e africanos. Feito por poucos e para poucos, nosso Estado é a resultante histórica deste processo civilizatório aberrante: Nas origens da nossa formação social estão presentes a grande propriedade territorial e a escravidão, constituindo-se assim uma ordem senhorial e escravocrata que, a ferro e fogo, ensinou negros, mestiços e brancos a se ajoelhar e pedir favores (...) [sem] se imaginar semelhantes e, muito menos, iguais em direito (ou deveres) (...). Na dialética entre eles se forja uma cultura de dependência mútua, que inibe os processos de autonomia (...). Em seu lugar, forjaram-se a arrogância das elites e a timidez, a insegurança (...) das classes populares .
Prevalecia nos sertões do Ipu a “lei do mais forte”! A câmara era “a prefeitura e o fórum” ao mesmo tempo; os vereadores prendiam, soltavam julgavam etc.! As autoridades eram homens violentos (e não poderia ser diferente) por que o poder era entendido como “um exercício da violência”; para garantir terras e prestígio era preciso proteger-se de ouros grupos rivais, escravizar negros e indígenas, esmagar os descontentes e subjugar a revolta dos excluídos; para isso fazia-se necessário montar parentela (grupos de homens armados, dispostos a matar e a morrer pelo patrão), e declarar guerra aos adversários. É dentro deste contexto que vamos entender as guerras sangrentas travadas entre as elites do Ipu e de Ipueiras na metade do século XIX; quando a família Mourão declarou Guerra a seus parentes Mellos do Ipu; ocasião em que a cadeia foi invadida, e dezenas de assassinatos e prisões aconteceram em ambos os lados. Na época (entre 1830 a 1840), o poder central procura se fortalecer após a abdicação de D. Pedro I (em 7 de abril de 1831) aliando-se as elites rurais dos sertões dos Inhamuns e da Serra da Ibiapaba, dando-lhes poderes político e administrativos sobre a máquina do Estado ora recrutando uma ora outra facção das mesmas famílias “tradicionais”; as autoridades federais e provinciais procuravam garantir assim a região como “curral-eleitoral” e reserva de braços armados para a Guarda Nacional e sufocar as revoltas nascidas no período regencial.
A sede da vila era Guaraciaba do Norte; a sede da Igreja era São Gonçalo; o Ipu era apenas uma aldeia paupérrima e desprestigiada, com uma igrejinha de pau-a-pique no centro, construída encima de um cemitério indígena, e margeada pelas águas límpidas do Ipuçaba. Mas a sorte estava de nosso lado; fomos favorecidos pela geografia e pela articulação de Mourões e Mello, que passaram a desejar a transferência da sede da vila para o Ipu: com o crescimento do comércio de grãos e animais entre o sertão-central e em direção a Sobral e do litoral norte de Granja e Camocim, as fazendas agropecuaristas de nossa área passaram a atrair a atenção dos fazendeiros. Não havia estrada transitável ligando o Ipu e a Serra da Ibiapaba. Como os animais de carga poderiam descer a serra? As tropas de mulas, carregadas de farinha, rapadura, milho e as boiadas simplesmente não podiam descer pela Escada de Pedras (velha trilha indígena, construída antes da chegada dos europeus), ou pela Estrada Real (estrada do Boqueirão); muitos animais caiam nos abismos, engolidos por crateras monstruosas, antes de chegarem a seus destinos. A serra da Ibiapaba era uma muralha natural que servia de barreia à civilização daquela área.
Criminosos eram contratados pelas facções para serem “cabos-eleitorais” e garantir a lealdade da população aos líderes oligárquicos; ninguém tinha coragem de votar contra o grupo dominante. O Presidente da Câmara presidia a votação (neste tempo não existia a figura do prefeito, que só será criada na República, em 1914). O juiz, nomeado pelo “governador”, defendia sempre a facção que apoiasse ao governo do estado; e esta facção protegia assassinos e canalhas para amedrontar aos adversários e aos “eleitores rebeldes”. Mas e se o sujeito fosse da oposição? Aí, meu camarada, a coisa ficava preta para ele! É por isso que as elites faziam o possível e o impossível para se manterem do lado do governo! Com a ascensão do Padre Alencar ao governo do estado, os Mourões, conservadores, serão levados a ser oposição ao governo, e daí nascerá a guerra entre esta oligarquia e os Melo, pela sede da vila do Ipu, em 1846. Momento em que as duas facções promoviam verdadeiras guerras privadas umas contra as outras, levando terror, morte e violência para as vilas e cidades de todo sertão central.


2 - BRIGA PELA SEDE DA VILA

Quando, em 1840, ocorreu o Golpe da Maior Idade, conduzido o jovem D. Pedro II com apenas 14 anos ao trono (o certo seria aos 18 anos), o Partido Liberal ascende ao poder político, e ocorre a derrubada de todos os filiados do Partido Consertador. No Ceará o Padre José Martiniano de Alencar (pai do escritor José de Alencar ) então nomeado “Presidente do Ceará”, ascende ao poder e passa a promover uma acirrada perseguição aos seus inimigos políticos (os conservadores, e no Ipu, os Mourões). Ipu, Ipueiras e Guaraciaba era um “reduto conservador” governado pelos coronéis oriundos das famílias Melo, Mourão, Barros, Araújo, Martins e outros.
O padre Alencar dará Carta branca a Vicente Lopes Vidal de Negreiros, mais conhecido como Vicente da Caminhadeira, valentão afamado, chefe de bando de cangaceiros, para reunir “cabras” e eliminar os Mourões de Ipueiras. Diz-nos Macedo (p.80) que “O Caminhadeira”, quando em combate, recitava estes versos em voz alta:
“Quando o canário abre o bico
Turva-se o tempo, meu bem,
Chore quem tem de chorar,
Que não sou pai de ninguém...”.

“Canário” era o nome que Vicente dera a seu velho rifre boca-de-sino, que ele usava em sua lutas e arengas pessoais; ainda segundo Nertan, Vicente da Caminhadeira assassinara Manoel dos Ferros Mourão, irmão de Alexandre, nas novenas da Matriz de São Gonçalo da Serra dos Cocos; estava declarada a guerra entre ele e Alexandre. Estes dois homens se cassariam até quase a morte.
Neste ínterim, foi aí que fora articulado em torno da liderança do coronel Francisco Paulino Galvão (líder dos Mourões, Melo e Araújo de Ipueiras), uma estratégia para transferira cede da vila de Vila Nova (Guaraciaba) para o Ipu (o Ipu prometia bem maiores vantagens do que a acidentada matriz de São Gonçalo, ou a velha Vila de Guaraciaba). Isto seria um golpe contra o poder hegemônico centralizado em Ipueiras e em Guaraciaba e concentrado nas mãos das elites daquelas localidades: parece-me que os conservadores do Ipu articulam a transferência da sede da vila de Guaraciaba para o “Ipu Grande” e a sede da Igreja de São Gonçalo para a Igrejinha! Mas esta informação se choca com este trecho legado por Alexandre da Silva Mourão, notório Conservador: “Conseguimos passar Vila Nova para Ipu e este para cabeça de comarca, e organizar a Guarda Nacional, com um esquadrão de cavalaria”. Se esta informação for verdadeira, isso faz de Alexandre da Silva Mourão, notório criminoso e precursor do cangaço, e a seus parentes (entre estes o coronel Paulino Galvão), os verdadeiros fundadores da Vila do Ipu em 1840 (isso será discutindo pelo historiador Reginaldo Alves de Araújo, posteriormente).
A transformação do Ipu em “cabeça de comarca” e o fato de “estar por cima” na política, com o Partido Conservador dominando a nível provincial, garantiram a Alexandre Mourão e a sua família algumas regalias e favores: “Respondemos a Júri na capital e fomos absorvidos; o Presidente (do Ceará) deu ordem para tirar o destacamento (militar) de Vila Nova (Guaraciaba) e substituir por outro” (Idem). Por pouco tempo, ficaram os Mourões livres de perseguição da justiça e da polícia. Assim, as acusações de assassinato, feitas contra Alexandre da Silva mourão, um de nossos “heróis fundadores”, foram consideradas “infundadas” (por pouco tempo, pois logo depois os Liberais reassumem, e Alexandre volta a seu considerado um “criminoso foragido da justiça”).
Mas quem foi Alexandre Mourão? É o próprio Alexandre quem nos escreve: “Minha vida laboriosa sempre foi cortada por desgostos e aflições”. Quando este abandona os estudos diz-nos que “Meu pai levado de desgosto por eu não querer continuar nos estudos, disse-me que eu deveria experimentar o peso que carrega quem planta e cria”. Foram muitas e muitas lutas, caçando, rastejando, procurando, perguntando, até que um dia Alexandre e seus “cabras” se encontraram frete à frete com Vicente e seus cangaceiros; cercando seu inimigo, Alexandre diz-nos que: “Vicente Lopes, logo nos primeiros tiros, fugiu deixando o irmão e companheiros em luta desenfreada” (Macedo, 204).

Mas falemos da fundação da vila do Ipu Grande: por enquanto podemos antecipar que o Ipu foi “emancipado do Município de Guaraciaba do Norte pela lei nº 200, de 26.08.1840, que transferiu a sede do Município para o núcleo Ipú Grane, então elevado á vila com o nome de Vila Nova do Ipu Grande” Mas um ano depois esta facção caiu, e ocorreu a derrubada desta lei, que foi “Revogada (...) pela de nº 230, de 12.01.1841”; Mas logo em seguida “foi novamente restaurada a sede da vila em 03 de dezembro de1842. Chamado primitivamente de Aldeia de São João (sic).” Ou seja, a disputa pela primazia de ser a sede da Vila foi tão intensa que logo após ocorrer a transferência, com a queda do grupo que a efetivou, ocorreu o recuo da lei, com a dissolução desta medida e o retorno da sede para Guaraciaba. Mas ocorreu “o recuo do recuo”, e as oligarquias do Ipu conseguem se impor a suas irmãs da Serra dos Cocos e de Guaraciaba entre uma queda e uma subida dos liberais e dos Conservadores ao poder (os Mourões saíram perdendo). Na disputa pelo controle da máquina pública entre Liberais e Conservadores, a transferência da sede da vila para a povoação de “Vila Nova do Ipu Grande” veio significar um duro golpe nos Mourões, de São Gonçalo e de Campo Grande. Já as oligarquias sediadas no Ipu ficaram de cima; os Melo, os Araújo, os Galvão, e dentre estes o padre Corrêa, irão construir seu poderio sobre Guaraciaba e Ipueiras. Atirados à condição de “criminosos”, os Mourões (e principalmente Alexandre) não mais poderão retornar a “legalidade”; cassados pelos liberais, pelas tropas do governo do estado e pelos “cabras” de Vicente da Caminhadeira, o clã cairá em desgraça, assistindo a subida de seus antagonistas.
A transferência da sede da Vila significaria hoje transferir da prefeitura, da delegacia e do fórum da cidade para um de seus distritos (imagine o impacto desta medida para estas localidades!); era uma disputa pela ocupação destes postos de poder; disputa pelo poder de julgar, prender, soltar e escrever documentos; disputa esta que a elite do Ipu saiu ganhando, mas não sem uma “guerra” declarada, muito sangue, manipulação de leis e sofrimento de todos os lados! Vejamos o que o historiador Antonio Bezerra nos deixou em depoimento: “Por motivos políticos, o cartório e demais papéis de Campo Grande (depois Vila Nova d’El Rei), que deveriam ser transferidos para a nova sede (Ipu), em virtude das leis de 1840 e 1841, naufragaram, os que convinham, na passagem do riacho Ipuçaba! (sic)” (Bezerra; 205). E, desta forma, muitos documentos (escrituras de terra, principalmente) foram forjados ou reescritos, com outros donos. Sobre isso, leiamos trecho da historiadora Mara Valdemira Coelho: “Em virtude de haver desaparecido a escritura pública de doação da (...) légua e terra, Patrimônio de São Sebastião, Dr. Vitorino do Rego Toscano Barreto, juiz de direito da Comarca de Ipu-Vila, resolveu em portaria de 29/08/1856 determinar que se fizesse a demarcação da referida légua de terra” (Maria Valdemira Coelho, 1985, p. 24). Ao fim das refregas, os Mourões perderam suas terras, seus cargos, seus poderes, e saíram arruinados desta guerra.
Nesta “briga de cachorro grande”, os precários tapuias indígenas da velha aldeia do São João perderam bem mais o que qualquer punhado de terras; perderam a própria identidade; esquecidos e aniquilados cultural e fisicamente, serão reduzidos a “cabras” e a “cunhãs” nas terras que outrora foram deles; tomados como “selvagens”, “bestas de carga” e mão-de-obra semi-escrava dos “coronéis” seus algozes e compadres, misturar-se-ão ao “povo miúdo”, como agregados nas terras dos Araújo, Melo, Mourões, Aragão, Ximenes etc. herdando destes o sobrenome; ficando mesmo impossível de se traçar qualquer distinção genealógica entre estes e seus antigos algozes. O crime contra estes “bárbaros” não ficará registrado pela história, e seus descendentes desconhecem qualquer ligação com este passado enterrado e esquecido.
Já os fazendeiros, havia entre estas elites, um auto gral de parentesco; Araújo, Martins, Melo, Mourão Galvão, Barros, Alves, Ximenes, têm todos uma mesma ramificação familiar: os colonizadores pioneiros, 150 anos antes, que haviam recebido da coroa portuguesa data de Sesmaria na região de São Gonçalo da Serrados Cocos, dividiram-se entre estas famílias; estas elites, dada a inércia das leis e a perpetuação dos privilégios, até hoje seus descendentes agarram as tetas das prefeituras, ocupam os cargos do judiciário, das câmaras de vereadores, são médicos, advogados, juízes, promotores e delegados.
De um lado os Conservadores (onde estava Alexandre Mourão e seus parentes), de outro os Liberais, onde se somaria o padre Correia e parte de outros aliados (dentre estes, alguns membros da família Mourão, como o delegado Manoel Ribeiro Melo). “O Delegado, homem de paixões fortes e ignorantes, deixava conduzir-se pelo seu pastor (o padre Correia) e cedendo as sugestões deste, mandou prender e meter no tronco, acintosamente, João Ribeiro Mourão, Raimundo Gadelha e outros”(Macedo, p. 188); todos da parentela dos Mourões, de Ipueiras.
Em 1845 , “Procurando anular a ação política de Paulino Galvão e dos Melos, que dominavam o Ipu, conseguiram os Mourões forjicar na Vila de Príncipe Imperial (Crateús), onde tinham influência política, um processo criminal contra aquele (Coronel Paulino Galvão) e o Delegado Manoel Ribeiro Melo. Avisados do plano, o Coronel (...) e o Delegado instauram por sua vez idêntico processo contra os Mourões, no termo do Ipu, envolvendo no mesmo o juiz municipal Pedro Martins de Araújo Veras e o tabelião Macambira, parciais dos Mourões” .
Mas a prisão dos liberais do Ipu (Paulino Galvão e o delegado Melo), pretendidas pelos Mourões (Vicente e seus irmãos) em Ipueiras, fora medida nula, pois não saiu do papel! Em contrapartida, contando com a simpatia do poder central, a oligarquia capitaneada por Paulino Galvão obtém êxito frente a seus rivais ipueirenses: “Vê-se que as prisões dos Mourões, ordenadas pelo Cel. Paulino Galvão e pelo Delegado Manoel Ribeiro Melo, e efetuadas no Sítio Lagoa, próximo ao Ipu, produziu grande indignação no seio do violento clã...” (Macedo, 115). Contando com o aparado repressor do Estado e com o apoio do partido liberal, os Melos, aliando-se ao padre Correia, conseguem mais esta façanha: por no tronco e na cadeia membros da família dos Mourões de Ipueiras. Estava declarada a guerra!
A resposta do clã não tardaria: “No dia 25 (de janeiro de 1846) (...) José de Barros Mourão, Alexandre da Silva Mourão, e Eufrasino da Silva Mourão com uma porção de homens atacam a cadeia, (...) põem em liberdade os irmãos, cunhados e amigos”.(Idem-115) No ataque morre José de Barros Mourão, chefe do bando assaltante; e, para vingar a morte do líder, os criminosos vão até a fazenda do delegado Melo e o trucidam diante de sua família com “Um tiro na coxa, um tiro na extremidade do membro viril, uma estocada no ombro e um tiro no braço” (Macedo, p.146).
Após estes atos de barbárie, as autoridades estaduais fecharam o cerco aos Mourões, prendendo e eliminando os mais belicosos deste clã, que tiveram propriedades confiscadas e as parentelas de jagunços desmobilizados pela polícia. Aliando-se ao padre Correia e a Paulino Galvão, as oligarquias do Ipu haviam ganho a guerra contra as oligarquias de Ipueiras e Guaraciaba, e a perseguição contra os coronéis-guerreiro da família Mourão fora intensificada. Eram novos tempos! O Estado nacional centralizado acabaria por impor sua autoridade a estes violentos refratários do período colonial! O poder privado, que antes estava acima da lei, seria aos poucos submetido pelo poder de polícia emanante de Fortaleza e do Rio de Janeiro! A república brasileira está prestes a nascer; e a paz reinaria entre as famílias proprietárias da região por algum tempo. A partir daí, nossas elites aprenderão que não se pode “pelejar” contra o Estado, pois como bem disse o próprio Alexandre Mourão “É dar murro em ponta de faca!”.

Depois destes tristes episódios, o Ipu veio se firmar como sede, pois a povoação crescia como “entreposto comercial” para a produção da Serra e do Sertão, “exportando” algodão e gêneros agropecuários para Sobral e Camocim (e não teria sentido retirar a sede da vila de nossa cidade); e as autoridades federais e estaduais conseguiram aos poucos impor a centralização política aos beligerantes coronéis dos sertões do Ipu e da Ibiapaba; movendo contra o clã dos Mourões pesadas perseguições oficiais, que culminaria com a prisão de Alexandre da Silva Mourão (provável assassino do delegado referido antes e de um de seus escravos) e com a morte da maior parte de seus violentos e combativos irmãos de parentela e seus cabras. Alexandre amargará anos de prisão na cadeia pública de Fortaleza. Arruinados, os Mourões perderam a guerra contra o padre Correia e os seus aliados do Ipu.
Todas estes personalidades, Alexandre da Silva Mourão, o padre Francisco Correia de Carvalho e Silva, o delegado Manoel Ribeiro de Melo, Francisco Paulino Galvão, dentre muitos outros, fazem parte de nossa história, e são, de algum modo, nossos antepassados. Eram brutos, violentos e sanguinários, mas não poderia ser diferente, pois eram homens de seu tempo; tempo em que para fazer política era necessário matar, para não morrer, roubar, para não ser roubado. Derrotados, espoliados de suas terras e de seu poder, presos, caçados como criminosos, e exterminados como cancros, os Mourões desaparecerão da cena política do Ipu até o presente. Já os Melo, os Correia, os Araújo, os Martins (as outras cabeças da hidra!) e outros ramos destas parentelas herdarão a cidade. O velho padre Francisco Correia de Carvalho e Silva construirá um “reinado”, num momento em que Estado e Igreja estavam atrelados, o velho sacerdote se transformará na mais esperta e influente raposa de nossa política; dominando, ele e seus aliados e parentes a cena política até o limiar do novo século que de descortina; morrerá no Ipu em 13 de junho de 1881 (Valdemira, p. 24); mas não sem constituir numerosa prole, enveredar-se pela política, e traçar o esboço de uma nova e “moderna” igreja matriz que ele não verá feita em vida, igreja que até hoje marca de modo indelével a alma de todos os ipuenses e o traçado de nossas ruas; mas isso é Outra História!
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Raimundo Alves e Araújo – Sobral, 10/03/2010.
arcanjoberne@bol.com.br


OBS: Esta coleção é literalmente “um salto no escuro”; pois estou cansado de esperar “por bom tempo” e por melhores ares em nossa cultura! Diz o ditado popular “-Quem corre cansa e quem caminha alcança”; não sei se me “encaixo” nos que “caminham” ou nos que “correm”, sei que estou esperando há muito tempo e já estou com medo de deixar de acreditar em mim mesmo! Estou cansado! Chega de esperar pelo “bom tempo”! Meu medo é que um dia eu me ache deitado em meu leito de morte e veja que nada do que eu sonhei em fazer em vida tenha realizado de fato. Assim, que se foda! Resolvi fazer como o velho Augusto Passos, promotor do Ipu que, sem dinheiro nem influência, publicava seus textos na forma de cordel, lá pelos anos quarenta do século passado, e, graças a isso, muita coisa de nossa história foi preservada. Aí está a primeira parte da História do Ipu em fascículos. Virão outros números? Provavelmente, mas não boto a minha mão no fogo! Quem viver verá. E que Deus, tenha piedade!