domingo, 7 de novembro de 2010

O QUE É A VERDADE

O que é a verdade? Seria a verdade, em sua totalidade, capiturável pela razão humana? Ou ela é uma construção histórica e cultural comprometida e presa a seu tempo e a seu lugar? Chegaremos um dia à “verdade plena” e “definitiva”? ou tal pretensão é um engano do pensamento humano?
Para a filosofia fenomenológica, o homem e o mundo são totalmente inseparáveis; daí o conceito de verdade não ser divorciado das impressões pessoais deste homem, preso a seu tempo; relativa, variável e plural, a verdade acaba por não aceitar mais a conclusão final e definitiva.
Já para os intelectuais da idade média, a verdade seria a manifestação da vontade de Deus manifesta nas ações dos eleitos (por Deus); e como tal, esta verdade não precisaria passar pelo crivo da razão. No mundo deísta, a verdade vem legitimar o poder e a dominação de grupos e instituições hegemônicas; Deus se fazia presente no mundo pela voz dos papas, bispos, santos, reis, nos livros sagrados, nos milagres, nas relíquias sacras, etc. O mundo real, que conhecemos, seria visitado constantemente por seres sobrenaturais, anjos almas penadas, etc. Mesmo a hierarquia social seria manifestação da vontade de “Deus”. A “verdade de Deus” seria revelada aos homens pelos indivíduos e instituições autorizados por “Deus” para tanto. O poder dos reis advinha não da vontade da maioria, como o quer o republicanismo moderno, mas da vontade de “Deus”; e como tal, tal poder não pode ser questionado, pois questionar tal poder seria o mesmo que questionar o próprio Deus; e questionar a Deus traria como conseqüência a danação eterna no inferno.
A “verdade” está com os eleitos por Deus, na bíblia sagrada etc; ela seria assim inescrutável ao pensamento e a razão. Com esta visão acerca da verdade, o pensamento medieval afastou do intelecto humano a capacidade de compreender e intervir no mundo a sua volta; para ele, o mundo seria a manifestação da vontade de Deus, manifesta através dos intelectuais da igreja Romana, dos homens santos e dos indivíduos detentores do saber.
Quando Nicolau Copérnico (1473-1543) propôs o heliocentrismo, questionando a suposta “verdade definitiva” (porque revelada por Deus), ele, com tal proposição veio a ameaçar toda a visão de mundo hegemônica do período. O geocentrismo, herdeiro da tradição filosófica platônica e ptolomaica, capturada pelos intelectuais da igreja católica (que tomara o lugar do império romano no mundo posterior ao colapso do mesmo) acabou por legitimar toda uma visão de mundo que ia desde a hierarquia social, passando pelo poder dos reis, duques e condes, indo até ao senso de propriedade e obediência. Se Deus, ao construir o universo, colocou a terra no centro e acima desta as esferas da lua, do sol, das estrelas moveis (Vênus, Marte, Saturno, etc.), das estrelas fixas e para além destas o próprio céu (como morada dos santos, das almas boas, do próprio Deus, anjos, etc.), podemos tirar daí uma compreensão hierárquica do universo e da própria sociedade. O homem achava-se preso a um mundo deísta que lhe comprimia entre o mundo celestial (morada de Deus, anjos, santos,etc) e o mundo infernal (morada do diabo,dos demônios e das almas decaídas). Pela compreensão deísta do mundo, no topo da hierarquia estaria Deus, depois, em ordem decrescente, os santos, os anjos, etc; e aqui na terra teríamos o papa (e todo o clero), abaixo deste os reis, abaixo dos reis os condes, duques, etc, e abaixo de tudo os camponeses;logo depois viria o mundo inferior, composto pelo diabo, por suas legiões e pelas almas condenadas ao inferno. Retirar a terra do centro do universo era negar a hierarquia celestial e mundana; era negar a infalibilidade do papa e das escrituras sagrada. Veja o tamanho da ousadia de Copérnico! O que seria do mundo sem o “porto seguro da verdade”?
Se a verdade não é revelada, poderíamos atingi-la pela razão? É o que pretenderam os pensadores iluministas; para os mesmos a razão poderá conduzir o homem rumo ao conhecimento definitivo e verdadeiro; no iluminismo e na modernidade, a crença na infalibilidade da fé, próprio do mundo medieval.
Mas as certezas iluministas não sobreviveram ao advento do pensamento contemporâneo. A realidade, em sua totalidade, é capturável pelo pensamento? Onde estaria oculta a verdade, dentro da dinâmica da realidade? “A respeito da verdade, contentarmo-nos em concluir que todas as nossas verdades são parciais, históricas, limitadas, nunca esgotam a realidade vista”; assim sendo, podemos entender que a verdade, ao menos em partes, pode ser capturada pela investigação humana. Haveria “verdades parciais.Mas essa concepção acaba por nos reafirmar a crença e a busca de “verdades”, sejam elas parciais, individuais, gerais, etc.
Se a verdade é uma construção histórica, ela, a dita verdade definitiva, acaba por se revelar uma construção, e como construção há nela uma boa dose de artificialismo e de abstração ficcional; Ou dito de forma mais clara, de a verdade é uma construção do espírito humano frente a seu espaço, a seu tempo, a sua cultura, a sua religião, a sua classe,etc, a verdade em realidade não existe. Mas se a verdade não existe, ao mesmo tempo, faz-se necessário colocarmos alguma coisa em seu lugar. Adotemos, pois, por convenção lingüística o termo “verdade” como sendo o norte que os indivíduos, instituições, estados, etc, buscam no esforço de construção de suas identidades. Neste ponto, a verdade embora ficção, revela-se necessária na construção das identidades de grupos e instituições, assim como sendo o cimento que une o homem a seu passado, a seu presente e a seu futuro.
Mas, se admitirmos que a “verdade” é produto de uma época de um grupo dominante e de um lugar específico, dizemos também que a verdade é uma ficção; e como ficção, ela não existiria. A verdade seria, assim, uma utopia a ser buscada pelos indivíduos, mas como utopia, está fadada a nunca ser atingida.
Onde está a verdade? O que é a verdade? Para respondermos isto, temos que buscar uma compreensão total da realidade. Tal pretensão é utópica. Seria a mente humana capaz de capturar a realidade em sua totalidade? A realidade seria composta por toda a carga de informações e sensações que o mundo através dos sentidos, joga em nós? Se a isto dermos o nome de realidade, cada ser humano captura a sua realidade específica e individual; ao final, a realidade geral seria a soma de todas as realidades individuais? Se for assim, podemos supor que cada ser humano que existiu no passado e que existe no presente compõem com suas realidades individuais, o corpo de uma realidade genérica? No fundo, rendendo-se às evidencias, a realidade é tão inexorável e inesgotável que a razão captura apenas interpretações parciais da totalidade.
Refaço a mesma pergunta inconclusa: O que é a verdade? Ostentada por padres, cientistas, instituições e países, a dita verdade vulgar é mero senso comum. Já a verdade filosófica aqui refletida é uma construção dos homens, e como tal é relativa e está presa a seu tempo e lugar. Por mais que busquemos jamais chegaremos a “verdade definitiva”. Nos resta como consolo a certeza de que, como criaturas limitadas, somos incapazes de capturarmos em nossas mentes a verdade do mundo; não nos resta alternativa se não, como seres pensantes diante da torrente das sensações que nos passa pela mente, entreter nossos dias na busca não da verdade, mas do verossímil. A história (seja a ciência ou a memória) cumpre o papel de preservar para o presente e para o futuro as experiências e vivencias humanas ao longo de nossa passagem aqui pela vida, dando um sentido ao caos de uma realidade irracional e inescrutável.

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